O Estado de S. Paulo
Com a sucessão de Refis iniciada em 2000, os empresários aprenderam que deixando de recolher os impostos terão o benefício de prazos mais extensos e da generosa redução de multas e juros. Tornou-se vantajoso deixar de recolher os impostos diante da possibilidade do benefício de um financiamento barato que nada mais é do que uma das inúmeras “meias-entradas”, que como tem sido apontado por Marcos Lisboa favorecem alguns em detrimento da sociedade como um todo. A atual equipe econômica abandonou esse caminho e editou a Medida Provisória 766/2017, criando o Programa de Regularização Tributária, através do qual somente aceita estender o prazo de recolhimento dos impostos em atraso com o pagamento de multa e juros. Concordo com essa postura, e exponho as razões traçando um paralelo com o caso da concessão de patentes.
Ao preservar o direito de propriedade, a patente dá ao inventor a exclusividade temporária na exploração comercial de sua invenção, mas o benefício do aumento da produtividade decorrente da inovação tecnológica ocorre ao lado de um custo, que é um preço mais elevado vindo do monopólio da venda da inovação. Suponha que fosse possível ficar apenas com o benefício do aumento da produtividade sem o custo dos preços mais elevados. É o que ocorreria caso todas as patentes registradas até aquele momento fossem eliminadas, com o evento ocorrendo apenas uma vez, dando livre acesso a quem quisesse explorá-las comercialmente. A livre concorrência derrubaria os preços, transferindo aos consumidores os benefícios das inovações tecnológicas até aquele momento.
Por que eliminá-las apenas uma vez? A razão é simples: sem a proteção da propriedade intelectual incorporada nas patentes não haveria mais incentivo para inovar. Com a sua eliminação apenas uma vez obteríamos temporariamente o benefício da competição, reduzindo os preços, e o pronto restabelecimento das novas patentes traria de volta os incentivos às inovações tecnológicas.
Esta seria uma solução brilhante se não existisse o que na Teoria Econômica é denominado por “inconsistência temporal”, que é um fenômeno que ocorre também no exercício da política monetária, e que em 2004 levou Finn Kindland e Edward Prescott ao Prêmio Nobel em Economia. Como não há maneira alguma capaz de garantir que a suspensão das patentes ocorrerá somente uma vez, não há como gerar a certeza de que o evento não se repetirá no futuro. Se a regra for rompida uma vez, o mais provável é que seja rompida outras vezes, o que elimina o risco de deixar de recolher os impostos. Afinal, a repatriação de capitais que também deveria ocorrer apenas uma vez foi imediatamente seguida de outra.
O Refis, da forma como existiu desde a sua primeira ocorrência, em 2000, é um exemplo clássico desse tipo de erro. No exercício de seu poder de lobby, os empresários pressionam o governo para recolher os impostos em atraso com prazos longos e sem a cobrança de multa e juros. Se existisse um mecanismo crível que permitisse que o “truque” fosse realizado uma única vez, o governo obteria um ganho once and for all de receita, e os empresários se livrariam de um passivo fiscal, começando vida nova.
Mas pelo menos até recentemente a história brasileira dava um exemplo prático de que não havia como garantir que não fossem aprovados novos Refis com aquelas características. Com isso, a melhor estratégia por parte dos empresários diante de um problema de caixa era parar de pagar os impostos. É um financiamento vantajoso para os empresários, mas com consequências nefastas para a sociedade, porque em vez de provocar um aumento de arrecadação estimula fortemente a sua queda, induzindo os bons pagadores a usarem a mesma estratégia dos que deixam deliberadamente de recolher os impostos.
Governos míopes seguem pelo caminho do Refis. Governos competentes conhecem o teorema da inconsistência temporal, e ainda que sob protestos de muitos empresários cobram os impostos devidos e encaminham soluções para os problemas de caixa das empresas removendo riscos, derrubando a inflação e reduzindo a taxa de juros.
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