Folha de S. Paulo
O recuo do governo federal na reforma da Previdência, deixando a cargo dos governos subnacionais as mudanças de seus regimes, é um desastre e por mais de um motivo.
No conjunto da obra, o Brasil gasta perto de 12% do seu PIB com aposentadorias e pensões, algo parecido com o que gasta a Alemanha (que tem uma proporção de idosos três vezes maior do que a nossa). Destes, 8% do PIB (R$ 508 bilhões) são relacionados ao INSS, isto é, pagamentos feitos a quase 30 milhões de aposentados e pensionistas do setor privado.
Já os egressos do funcionalismo público federal, cerca de 1 milhão de pessoas, receberam no ano passado R$ 108 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB.
Por fim, 1,4 milhão de aposentados e pensionistas oriundos do funcionalismo estadual receberam, em 2015, 2,1% do PIB.
Há dez anos, porém, estados gastavam o equivalente a 1,5% do PIB, e, dez anos antes, 0,7% do PIB. Não se trata, portanto, apenas de um volume considerável, já superior ao gasto pelo governo federal, mas também sua dinâmica sugere um crescimento muito mais rápido que o do PIB, e, portanto, da capacidade de arrecadação.
Esse é um dos motivos pelos quais as finanças estaduais se encontram em situação delicada e alguns estados flertam abertamente com a falência. Deixar os estados fora dessa fase da reforma é, assim, um problema em si mesmo.
É verdade que estados (e municípios) podem, em tese ao menos, seguir com suas próprias reformas, mas vejo dois problemas com isso. O primeiro, mais óbvio, é que 27 reformas (considerando apenas os estados) são mais complicadas do que uma.
O segundo, mais sério, é que os incentivos para a reforma são fracos. Governadores que gastem seu capital político para reparar a Previdência incorrerão em seus custos, mas não nos benefícios, que se materializarão anos à frente.
Afora isso, a história do país sugere que estados que se comportam de maneira irresponsável acabam sendo resgatados pelo governo federal quando a crise fiscal e financeira se instala, em particular se forem populosos e ricos.
À vista disso, parece óbvio que governadores dificilmente se esforçarão para aprovar uma reforma politicamente custosa como a previdenciária.
Isto dito, à parte o custo fiscal imenso da previdência estadual e os parcos incentivos à reforma, o recuo do governo erode um dos pontos centrais de seu projeto.
Com efeito, muito do que está sendo proposto se assenta no conceito de equidade, isto é, de tratamento igual: idade mínima, teto para aposentadorias, anos de contribuição etc.
Nesse sentido, isentar um grupo da mudança representa um duro golpe na noção de justiça e contribui para reduzir o apoio popular à medida, ainda mais tendo em vista que isso representa deixar de fora da reforma 5,3 milhões de funcionários públicos, segundo estimativas de Pedro Fernando Nery, economista que rapidamente está se tornando uma referência no tema.
Em suma, ao ceder às pressões corporativistas, o governo não apenas tira muito do impacto da reforma como perde uma das principais justificativas para a mudança, à luz das flagrantes injustiças do atual sistema previdenciário.
Notícias, portanto, de que o governo pensa em recuar do recuo são encorajadoras; sem isso, sua principal medida de ajuste fiscal ficará irremediavelmente comprometida.
As opiniões aqui expressas são as do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.