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Só a cara de pau explica como gente que nos pôs na crise quer dar palpite

Folha de S. Paulo


“Chutzpah” (pronuncia-se “rrutspá”) é uma expressão em ídiche que acabou sendo incorporada ao inglês, detendo inclusive a honra de ter sido usada em uma sentença proferida na Suprema Corte americana por Antonin Scalia, morto no ano passado.

Alguns a traduzem como “audácia”, ou “ousadia”, mas a melhor definição que ouvi é: demonstra chutzpah o réu que, acusado de matar seus pais, pede clemência à corte por ser um pobre órfão.

No Brasil, chutzpah também poderia ser exemplificada por economistas cujas ideias e ações quebraram o país lançando manifestos em que defendem as mesmas ideias e ações que quebraram o país.

Apesar da seriedade do assunto (não do manifesto), não pude conter gargalhadas ao ler reclamações sobre o “esquartejamento” da Petrobras, a decadência da “renascida” indústria naval e a piora da distribuição de renda, entre outras pérolas.

Como se não fosse o uso irresponsável da Petrobras (incluindo seu aparelhamento para fins de financiamento de caixa dois e roubalheira) que a tivesse levado a se tornar a petroleira mais endividada do mundo.

Como se pudéssemos ignorar que o símbolo da “renascida” indústria naval seja a Sete Brasil, empresa não só falida como ligada a escândalos de corrupção de toda sorte.

Como se a piora da distribuição de renda não tivesse já começado sob o governo de Dilma Rousseff, em boa medida por causa da forte elevação da inflação no período.

Já as medidas de política econômica não são menos ridículas, representando essencialmente uma tentativa de reviver a Nova Matriz, esta sim uma pobre órfã.

Pede-se, por exemplo, uma regra de política fiscal contracíclica do gasto público, isto é, que o gasto aumente quando a atividade cai e vice-versa.

A mesma justificativa usada pelo ex-ministro Guido Mantega, por exemplo, em 2010, com a economia crescendo 7,5% e os gastos ainda mais (mesmo descontada a capitalização da Petrobras), que, na prática, sempre significou gastar o máximo, em particular se há uma eleição a vencer…

Ou a redução na marra das taxas de juros, resultado da subserviência de Alexandre Pombini e asseclas durante seu mandarinato no BC, cujo resultado foi a aceleração da inflação e o retorno do controle de preços para disfarçar essas pressões, com consequência desastrosas sobre a Petrobras (sempre ela!), o setor sucroalcooleiro e o elétrico, para tomarmos apenas os casos mais gritantes.

Somente chutzpah pode explicar como se opõem à reforma da Previdência e, ao mesmo tempo, pedem mais investimentos públicos e mais gastos com saúde e educação, como se a economia fosse uma fonte inesgotável de recursos a serem utilizados ao bel-prazer pelo governo de plantão, sem nenhuma preocupação com a trajetória do endividamento público.

Enquanto o país era destruído pelas políticas equivocadas de Dilmas, Arnos, Guidos e Barbosas, muitos dos que hoje se apresentam como paladinos em defesa do Brasil e seus pobres não abriram a boca, a não ser para aplaudir a Nova Matriz, então vista como uma política novo-desenvolvimentista.

Pensando bem, há uma tradução mais fácil para chutzpah: é a boa e velha cara de pau. É a única coisa que explica como gente que nos jogou na pior crise econômica dos últimos 80 anos ainda se achar no direito de dar palpite pedindo para fazer tudo isso de novo.

As opiniões aqui expressas são as do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman