Isto É Dinheiro, Economia, Edição 1018
Novas regras das concessões podem ajudar a desengavetar obras e reanimar a economia, mas participação do BNDES nos projetos é alvo de polêmica
Dada a infinidade de reuniões que acontecem diariamente no Palácio do Planalto, é provável que até os integrantes da Guarda Presidencial já saibam de cor e salteado que as reformas estruturais, em especial a da Previdência Social, são a prioridade do governo Michel Temer. Engana-se, no entanto, quem imagina que o núcleo executivo não tenha agenda para outros assuntos econômicos, fundamentais para a retomada do crescimento.
A 650 metros dali, num edifício chamado de Anexo I do Palácio do Planalto, há um gabinete que concentra todas as informações do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Batizado de Projeto Crescer, é considerado o principal motor dos investimentos em infraestrutura. São 90 empreendimentos que, nas mãos da iniciativa privada, podem movimentar R$ 77,4 bilhões. O ponto de partida para destravar as concessões foi a revisão completa do marco regulatório, eliminando as falhas apresentadas durante o governo Dilma Rousseff.
O responsável por centralizar as informações, fiscalizar o trabalho dos ministérios e das agências reguladoras, e cobrar o cumprimento dos prazos é o engenheiro mecânico Adalberto Santos de Vasconcelos. Líder de uma equipe de 45 técnicos, Vasconcelos tem uma longa carreira no setor público e ganhou protagonismo no Tribunal de Contas da União (TCU), ao chefiar o setor de desestatização e infraestrutura do órgão.
“No TCU, eu apenas recomendava alterações, mas agora, no Executivo, posso colocar as ideias em prática”, do PPI, ligada à Secretaria-Geral da Presidência, do ministro Wellington Moreira Franco. “Todos os prazos foram pactuados diretamente com o presidente da República, que não quer atrasos.” Ao receber a DINHEIRO para uma entrevista em seu gabinete, Vasconcelos apresentou uma planilha com os empreendimentos, que recebem semanalmente “carimbos” verdes, amarelos ou vermelhos conforme o cumprimento do cronograma.
Para que o PPI realmente saia do papel e não ocorram leilões “vazios” – no jargão do mercado, um leilão “dá vazio” quando não aparece nenhum interessado –, o governo estudou tudo o que deu errado nos últimos anos e ouviu investidores e especialistas para aprimorar as regras do jogo. A primeira providência foi padronizar os ritos de contratação para todos os setores. “Percebemos que o principal gargalo estava dentro do próprio governo, pois cada área fazia de um jeito”, diz Vasconcelos.
Agora, o passo inicial para qualquer projeto é a elaboração de um estudo consistente que tenha projeção de fluxo de caixa, demanda, receitas, custo operacional, investimento e Taxa Interna de Retorno (TIR). Se o cálculo econômico-financeiro é bem elaborado, com premissas realistas, fica reduzida a possibilidade de ágios ou deságios exagerados nos leilões, que passam uma impressão equivocada de sucesso. Em reuniões semanais com as diversas áreas do governo, os técnicos amadurecem todas as propostas antes de habilitá-las no PPI.
Em seguida, são feitos estudos complementares e o projeto passa por audiência pública para receber contribuições da sociedade. Após incorporar as sugestões, a proposta é encaminhada para o TCU, que dá o aval sobre o tema. Na etapa final, já com a licença ambiental prévia, ocorre o lançamento do edital, que agora é feito em português, espanhol e inglês. Atendendo a uma demanda dos investidores, o prazo entre o lançamento do edital e a realização do leilão de concessão foi ampliado de 45 dias para 100 dias.
Os primeiros frutos dessas mudanças foram colhidos em março, com a atração de grandes players globais nos leilões de quatro aeroportos e, em maio, nos leilões de linhas de transmissão. Para conquistar o bolso dos estrangeiros, o governo eliminou a obrigatoriedade de o consórcio ter representantes nacionais. “Sempre ganhavam as mesmas sete, oito ou nove empresas em todos os setores“, afirma o secretário especial do PPI. Outra boa notícia para o capital internacional é a adoção automática de um hedge cambial nos contratos, que é descontado do valor da outorga variável.
Sem poder contar com a participação das grandes empreiteiras nacionais, investigadas pela Lava Jato, o governo resolveu oferecer concessões menores para também atrair grupos locais de menor porte. “Os investidores querem participar do processo de retomada”, afirma à DINHEIRO Dyogo de Oliveira, ministro do Planejamento. Ele fará um corpo-a-corpo com os investidores em São Paulo, nos dias 30 e 31 de maio, no Fórum de Investimentos Brasil 2017 (leia entrevista aqui). A abertura do evento, voltado para a infraestrutura, será feita pela presidente Temer (confira a programação no site www.brasilinvestmentforum.com).
Outra novidade do modelo de concessões é o foco na prestação de serviços, com autonomia para a iniciativa privada realizar obras apenas quando certos gatilhos de demanda forem disparados. “O governo tem de definir, em contrato, o nível de serviço desejado”, afirma Vasconcelos. “Não faz sentido obrigar investimentos desnecessários, que podem inviabilizar as concessões. “No caso das rodovias, uma obra de duplicação só será executada se a demanda de veículos atingir determinado patamar.
Em volume de recursos, o setor de ferrovias é potencialmente o maior, com investimentos previstos de R$ 37,7 bilhões entre prorrogações e licitações (leia quadro ao final da reportagem). É também o setor que menos avançou nos últimos anos. “As concessões de ferrovias não deslancharam no governo Dilma por falta de projetos e de regras”, afirma Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer). Com o PPI, haverá renovações antecipadas de cinco linhas com a contrapartida de mais investimentos, e licitações de novos trechos.
PAPEL DO BNDES A mudança mais polêmica envolve a atuação do BNDES. Desde junho do ano passado, sob a gestão de Maria Silvia Bastos Marques, o banco estatal pisou no freio dos financiamentos após anos de megalomania. Durante o governo petista, o Tesouro emprestou R$ 500 bilhões ao BNDES, que financiou obras no exterior e privilegiou os chamados “campeões nacionais”. Isso gerou um rombo fiscal e investigações criminais de favorecimento aos empresários. Nas concessões de infraestrutura, no entanto, a atuação do BNDES era aplaudida pelos investidores, que adoravam os juros subsidiados.
Para o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, o dinheiro barato estimulava lances absurdos nos leilões. “Os projetos não paravam em pé e abriam espaço para oportunista oferecer ágios irreais. E depois, o investidor ia pedir ao governo uma renegociação extraordinária”, afirma Pastore. Ele lançou, na terça-feira 9, em conjunto com mais 13 autores, o livro “Infraestrutura – eficiência e ética”, da editora Elsevier, uma iniciativa do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP). Embora reconheçam que era necessário um “freio de arrumação” no BNDES, os empresários, em sua maioria, andam preocupados com as “torneiras fechadas” do banco.
Na segunda-feira 6, cerca de 450 executivos e donos de companhias participaram de um evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em São Paulo, que teve uma palestra da presidente do banco, Maria Silvia. “Para se gerar desenvolvimento econômico e social, é preciso ter taxas que favoreçam o investimento, além de fundos para isso”, afirma Antonio Roberto Cortes, presidente da MAN Latin America, que aposta nos investimentos em infraestrutura para aumentar as vendas de caminhões. “O BNDES não pode ser o gargalo para que melhoremos o gargalo de infraestrutura do Brasil.”
Dentro do governo federal, há um fogo amigo contra Maria Silvia devido ao seu “conservadorismo”, mas a equipe econômica a defende. “Nunca tive nenhuma pressão do governo para mudar nada do que estamos fazendo agora”, disse a presidente do BNDES, após o evento do Lide. No mesmo dia, a assessoria do Palácio do Planalto negou boatos sobre sua demissão. Na gestão de Maria Silvia, o BNDES passou a subsidiar apenas uma parte das concessões (em média, 40% do valor total, ante 80% no governo Dilma) e não mais oferecer o empréstimo-ponte, utilizado pelo vencedor do leilão até a aprovação do crédito de longo prazo. “O negócio central do BNDES deveria ser a infraestrutura, que gera emprego e move a cadeia produtiva”, diz Roberto Medeiros, CEO da Multiplus.
Apesar da postura mais tímida do BNDES, o governo aposta no sucesso das concessões, que incluem portos, energia elétrica e até de uma loteria instantânea (Lotex). Após anos sem leilões, o setor de óleo e gás volta ao jogo com investimentos previstos de R$ 83 bilhões até 2019, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). A tão aguardada 14a rodada de campos exploratórios será feita em setembro. “A iniciativa privada está disposta a investir em infraestrutura com essas regras mais claras”, afirma Julio Fontana, presidente da Rumo ALL. “Precisamos, no entanto, de mais rapidez.” Essa é justamente a ordem expressa de Temer, que, para acompanhar tudo de perto, fez questão de presidir o Conselho do PPI.
Por Luís Artur Nogueira