Valor Econômico
Um estudo divulgado recentemente aparentemente mostra que a desigualdade no Brasil não teria diminuído nos últimos anos*. Se isso for verdade, um dos principais legados do período em que o PT permaneceu no governo federal não teria realmente ocorrido. Mas parece claro que o padrão de vida dos mais pobres realmente cresceu bastante na última década. Afinal, o que aconteceu com a desigualdade de renda no Brasil nos últimos 15 anos?
Na verdade, não existe somente uma medida de desigualdade de renda, existem várias. Cada medida tem um foco diferente e deve ser escolhida dependendo do fenômeno que se pretende analisar. Tradicionalmente usamos o índice de Gini, mas podemos também analisar a parcela da renda apropriada pelos mais ricos, pela classe média e pelos mais pobres. Além disso, podemos examinar somente o que aconteceu com a desigualdade da renda do trabalho ou incluir também rendimentos oriundos do capital.
No caso brasileiro, o tipo de renda e a medida utilizada faz muita diferença para uma interpretação correta dos resultados. Por exemplo, se utilizarmos somente a renda obtida no mercado de trabalho (salários) a desigualdade realmente declinou, qualquer que seja a medida utilizada. As análises que utilizam as pesquisas domiciliares do IBGE (amplamente divulgadas) mostram isso claramente.
Entretanto, a diferença desse novo estudo é que ele considera também os dados das declarações do imposto de renda, que foram divulgadas recentemente pela Receita Federal, e também as contas nacionais. Assim, ele consegue desenhar um quadro mais completo da desigualdade, pois os mais ricos tendem a subdeclarar a renda de outras fontes nas pesquisas domiciliares, como os rendimentos financeiros, lucros, dividendos, heranças e doações, que representam quase 40% de toda a renda auferida no país.
O que mostram os resultados? Em primeiro lugar, o estudo mostra que a desigualdade brasileira é ainda maior do que imaginávamos. A proporção da renda (antes dos impostos e transferências) obtidas pelos 10% com maiores salários (que ganham acima de R$ 5 mil mensais por pessoa) está em torno de 55%, bem mais do que na China, EUA e França. Já a proporção apropriada pelo 1% da renda (que ganham acima de R$ 25 mil por mês) está em torno de 27% e a renda do topo 0,1% (as 140 mil pessoas que ganham acima de R$ 120 mil por mês) é de 14%. Ou seja, por razões históricas, políticas e econômicas, a renda é muito mais concentrada no Brasil do que em quase todos os outros países desenvolvidos e em desenvolvimento do mundo.
Além disso, a renda média dos 5% mais ricos cresceu 20% entre 2001 e 2015, a dos 1% mais ricos cresceu 31% e a do 0,1% mais rico cresceu 55% no período! Em comparação, a renda dos 50% mais pobres cresceu 29% e a da classe média (os 40% que ganham entre R$ 1,4 mil e R$ 5 mil), cresceu apenas 12%. Assim, a conclusão é que a diferença entre a classe média e os mais pobres caiu, entre os ricos e a classe média aumentou e entre os muito ricos e os mais pobres aumentou também. Ou seja, quem perdeu mesmo (em termos relativos) foi a classe média.
O que explica esses fenômenos? A renda dos mais pobres, que têm somente o ensino fundamental e trabalham predominantemente nos setores de comércio e serviços, aumentou basicamente devido ao salário mínimo, que aumentou os rendimentos no mercado de trabalho e também as aposentadorias atreladas ao mínimo. Isso criou uma dinâmica econômica mais favorável aos mais pobres.
Além disso, o grande aumento educacional também contribuiu para diminuir a desigualdade. A classe média, que basicamente completou o ensino médio, perdeu com a falta de dinamismo da indústria, decorrente em grande parte das políticas de favorecimento para as grandes empresas. E a renda dos mais ricos aumentou basicamente devido ao aumento da renda de capital.
Um fator importante que pode explicar tanto a queda da desigualdade da renda do trabalho como o aumento da renda do capital é a “pejotização”. Muitas pessoas no topo de distribuição podem ter parado de receber como assalariados e passado a receber como PJ para pagar menos impostos. Além disso, as grandes empresas podem ter passado a reter mais os lucros ao invés de distribuí-los. Esse novo estudo mostra que os lucros não distribuídos cresceram três vezes mais do que os salários no período (231% vs 74%).
Como podemos diminuir essa desigualdade tão elevada? A “desigualdade de resultados” não é um mal em si, porque as pessoas fazem escolhas diferentes na vida e os que se esforçam mais têm que ser recompensados. Mas o problema é que a desigualdade de resultados afeta a “desigualdade de oportunidades”. Quem nasce mais pobre vai enfrentar muito mais dificuldades na vida do que quem nasce mais rico, mesmo que essa riqueza tenha vindo totalmente de heranças, por exemplo, e não do esforço pessoal.
Para aumentar a igualdade de oportunidades temos que melhorar a eficiência do Estado na promoção da atenção à primeira infância, escolas e serviços de saúde. Além disso, para aumentar a renda da classe média, nossas empresas têm que ter mais igualdade de oportunidades. Por fim, temos que aumentar o impostos sobre heranças e doações e sobre as PJs que pagam menos impostos e diminuir os subsídios que vão para os mais privilegiados. Sem aumentar a igualdade de oportunidade não haverá redução sustentada de desigualdades nem crescimento sustentado da produtividade no Brasil.
* “Extreme and persistent inequality: new evidence for Brazil”, de Marc Morgan.