Artigos

Um novo paradigma para a relação entre público e privado

Folha de São Paulo


A conjuntura brasileira pode ser apreciada em vários palcos. No palco principal se desenrolam atrações como a Lava Jato e as baixarias políticas, que absorvem a atenção do público e da mídia. Mas no secundário há espetáculos igualmente relevantes, sobretudo no campo econômico.

Nele as mudanças no último ano e meio foram profundas. A inflação caiu para 2,5% em 12 meses, algo tido como impossível há pouco tempo. E veio para ficar, segundo cenários projetados. O índice começou a desinflar em agosto do ano passado e abriu espaço para o BC colocar a Selic em trajetória cadente. A taxa saiu de 14,25% para 8,25% ao ano e pode começar 2018 em torno de 7%, talvez menos.

Falta o custo do crédito também desinflar, refletindo outro curso em progresso: a queda da inadimplência, do endividamento de pessoas e empresas e do comprometimento da renda com juros e prestações de dívidas. Na economia, tais eventos costumam ser circulares. Menos dívida reduz seu custo e libera mais crédito, tudo em sequência.

Há um pré-requisito fundamental para tornar esse círculo realmente virtuoso: o reequilíbrio fiscal e o freio na expansão do endividamento público. Sem eles, as recentes conquistas não se sustentam. Por isso, é urgente avançar na agenda de reformas, sobretudo a da Previdência, o que criará as bases para um regime de juros baixos inédito na economia brasileira.

Não é só isso. A economia ganha flexibilidade, graças às mudanças na legislação trabalhista, na terceirização e nas regras de conteúdo local. Persistem, porém, usos e costumes arraigados por décadas de práticas estranhas aos fundamentos do livre mercado e do empreendedorismo.

É difícil cogitar o retorno ao quadro que prevalecia até recentemente, com a profusão de crédito subsidiado, desonerações e tarifas protecionistas. Além disso, a OMC condenou diversas políticas industriais, incluindo programas para o setor automobilístico e de informática.

Independentemente desses contenciosos, as políticas para a economia deveriam ser regidas pelo princípio da horizontalidade, ou seja, com regras gerais válidas para todos os setores. Em casos particulares, eventuais benefícios deveriam mirar novas fronteiras tecnológicas, eficiência energética e inovação.

O que não faz sentido é subsidiar setores maduros, instalados há décadas no país e com capacidade de buscar, a partir de seus próprios meios, a competitividade no mercado local e global.

O Rota 2030 que substituirá em 2018 o regime automotivo Inovar-Auto (conhecido pelo exagero protecionista) atende a este princípio? Um programa como esse, com horizonte superior a uma década, deve levar em conta tecnologias que ao fim de tal período estarão implementadas no mundo, a exemplo da crescente obrigatoriedade do carro elétrico e com parte da frota circulando de forma autônoma. Estamos projetando um novo futuro ou repetindo as ineficientes receitas do passado?

As reformas do setor público, sobretudo do seu gasto, vão induzir a modernização empresarial. Esta se assenta nos pilares da pesquisa e desenvolvimento, da inovação e da produtividade, com o apoio público reservado ao que seja de fato estratégico, com metas de resultados e prazo de validade definidos.

Esse Brasil mais moderno, livre de mazelas políticas, parece utópico. Já a janela aberta para a recuperação da economia sugere que nada é impossível. Vai-se formar ou não uma nova chance de redenção, dependendo do que sair das urnas em 2018, o que torna as eleições daqui a um ano uma das mais desafiadoras. Se desperdiçarmos a oportunidade, não haverá outra tão cedo.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos