Valor Econômico
O ano de 2017 foi surpreendente para economistas, investidores, bem como empresas
expostas ao mercado brasileiro.
Ao final de 2016, o consenso sobre a taxa de inflação e de juros (Selic) estava em 4,9% e 10,25% ao ano, respectivamente, de acordo com o relatório Focus, do Banco Central. A realidade é que a taxa de inflação vai ficar abaixo de 3%, e a taxa básica de juros terminará o ano em 7,0%. No âmbito externo, o crescimento global segue forte e disseminado, com pressões inflacionárias ainda contidas, preços de commodities estáveis e normalização bem gradual da política monetária. Esse ambiente tem favorecido ativos de risco, e com isso os preços de ações negociadas no país subiram cerca de 20% no ano (depois de uma alta de 40% em 2016).
E esses desenvolvimentos coincidiram com uma redução das atividades do BNDES, cujas concessões caíram, como percentual do PIB, ao menor nível desde 2002 obviamente, isso resultou de condições mais restritivas de oferta, mas também de demanda.
Nesse contexto, temos assistido um florescimento do mercado de capitais brasileiro. As empresas, privadas ou controladas pelo governo, têm em geral utilizado o ambiente favorável para reforçar seus balanços, aumentando a base de capital e/ou alongando dívidas. Há sinais também que, em parte, empresas teriam ido ao mercado para antecipar operações que poderiam ocorrer em 2018, com vistas a aproveitar uma janela que pode se fechar caso a incerteza sobre a continuidade da política econômica se intensifique durante a campanha eleitoral.
O fato é que 2017 marcou o melhor ano, do ponto de vista do acesso corporativo ao mercado de capitais, desde 2010 (ações) ou 2012 (renda fixa), em termos de volume captado. De fato, considerando o número de operações de ECM (vendas de ações), 2017 superou 2010, ano que ainda leva vantagem em montante levantado.
Considerando o período mais recente, saímos de 10 para 24 operações entre 2016 e 2017, sendo que de uma para 10 ofertas iniciais (IPOs) excluindo operações registradas apenas no exterior. O volume total das operações quadruplicou de pouco mais que três para quase US$ 13 bilhões. Já no mercado de renda fixa local o total de distribuições cresceu de R$ 37,6 em 2016 para cerca de R$ 85 bilhões em 2017 (números preliminares), o que excede o recorde anterior em quase 100%, e é quase o triplo do volume colocado no piso do ciclo, em 2015. No mercado externo, a distribuição saltou de US$ 21 para US$ 32 bilhões.
Cabe salientar que o crescimento das operações de mercado de capitais compensou em grande medida o encolhimento de fontes públicas de financiamento, como o BNDES. Um levantamento feito pelos economistas do Itaú mostra que as concessões do BNDES para pessoas jurídicas caíram de R$ 134 bilhões (a preços de novembro de 2017) em 2015 para R$ 62 bilhões nos 12 meses acumulados até outubro. Até novembro, o volume de emissões de renda fixa (domésticas e externas) e ações saiu de R$ 156 para R$ 226 bilhões, deixando o total de financiamento ofertado ao setor empresarial.
A intensificação das atividades do mercado de capitais traz benefícios importantes para a economia. Em primeiro lugar, mercados e agentes privados com incentivos devidamente alinhados tendem a alocar capital de forma bem mais eficiente do que burocratas, cuja remuneração e evolução patrimonial independe, em larga medida, do sucesso ou fracasso das operações em que estes se envolvem como evidenciado pela ruína de vários dos “campeões nacionais” escolhidos e financiados por entidades públicas em governos recentes. O crescimento do papel do Estado na alocação de capital na esteira da crise de 2008 parece ter ocasionado também, como elucidado pelas atuais investigações sobre corrupção nas relações entre os
setores público e privado, um aumento da utilização de critérios não republicanos na decisão sobre projetos de investimento. Os prejuízos às contas públicas derivados da má alocação de capital, frequentemente feita a taxas de juros ruinosamente subsidiadas, contribuíram para a crise fiscal brasileira.
Mesmo representando avanço considerável, o crescimento do mercado de capitais, diante do recuo do Estado, na alocação de capital não vai solucionar nosso problema macroeconômico de escassez de poupança, apenas vai limitar o risco que a mesma seja malbaratada em projetos ineficientes ou economicamente irracionais. Sem aumentar a poupança doméstica, o que requer avanço considerável no processo de ajuste fiscal, o novo regime, caso venha a se consolidar, apenas irá administrar melhor a poupança importada, que tenderá a aumentar na medida em que a economia se recupere e o investimento volte a crescer em outras palavras, sem ajuste fiscal e aumento da poupança interna, déficits em conta corrente vultosos cedo ou tarde irão se
manifestar sempre que o investimento acelerar.
A própria consolidação do novo momento para o mercado de capitais depende da consolidação do novo regime fiscal, com implementação do teto para o crescimento dos gastos públicos (o que, sabemos, requer a aprovação, o quanto antes de uma reforma da previdência). Sem consolidação fiscal as taxas de juros fatalmente voltarão a subir, inibindo o apetite por ativos de risco, e expulsando os emissores privados para poder acomodar o crescimento da dívida pública.
As atividades de 2017 mostram que os agentes envolvidos, quer seja o regulador, emissores, bancos e investidores, estão bem preparados para comandar a alocação de capital no país, e contribuir para a mesma na região. Mas essa evolução de nosso sistema financeiro só terá sobrevida se o ajuste fiscal prosseguir, o que está longe de ser garantido.
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As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.