Folha de São Paulo
Empresas usam 1,5% do faturamento anual com pessoal e tecnologia para compromissos burocráticos
O excesso de burocracia é uma das mais antigas distorções que atrasam o país. Os efeitos negativos são conhecidos por todos: uma avalanche de documentos, atestados, filas em guichês para concluir qualquer tipo de operação. A cultura do alvará e do cartório está na gênese de históricos problemas nacionais, como a baixa qualidade dos serviços públicos, a complexidade tributária, o alto custo do que nem deveria existir e a corrupção.
Profundamente enredada na sociedade, vítima do clássico “jeitinho” como meio para contornar dificuldades criadas muitas vezes para permitir um mercado de facilidades, a burocracia se faz presente em quase todas as iniciativas empresariais e na relação entre o Estado e as pessoas, tornando-se um fator de pressão nos custos e um ralo por onde escorre parte da energia e do dinheiro do país, como mostra o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Segundo a entidade, as empresas consomem o equivalente a 1,5% do faturamento anual com pessoal e estrutura tecnológica para dar conta de compromissos burocráticos.
Isso representa o oposto de tudo o que se espera de uma economia baseada na inovação, na tecnologia e nas facilidades digitais: em vez de simplicidade, agilidade e conectividade, temos complexidade e morosidade; no lugar da liberdade para realizar, enfrentamos uma overdose de regulamentação.
A real essência do problema deriva da concepção de um Estado controlador que tomou para si o papel de resolvedor-geral, interferindo e regulamentando toda e qualquer atividade nos mínimos detalhes. É como se houvesse uma desconfiança atávica dos poderes públicos em relação à sociedade, mesmo que os resultados obtidos desmintam a efetividade de tal abordagem.
Isso cria dificuldades para as empresas honrarem suas obrigações. Não é à toa que no Brasil 86% delas operam com alguma pendência no pagamento de tributos ou no cumprimento de exigências de órgãos federais, como revela levantamento da Endeavor, que promove uma oportuna e necessária campanha contra os exageros da burocracia.
É uma mentalidade que permeia as três instâncias federativas (federal, estadual e municipal) e as esferas normativas e regulatórias (Executivo, Legislativo e Judiciário). Vem daí a barafunda de normas, portarias, resoluções, leis, que passam por constantes modificações, sorvendo tempo e dinheiro das empresas e pessoas para acompanhar essa metamorfose permanente.
Exemplo gritante está no cipoal tributário. Só a legislação do ICMS sofreu 558 alterações nos últimos quatro anos, uma atualização a cada três dias, segundo a Endeavor. Além disso, a complexidade do aparato burocrático dá margem às mais variadas interpretações de regras e leis, elevando o já desmesurado grau de insegurança jurídica e a judicialização de eventos banais.
É inevitável a sensação de que esse quadro se cristalizou, após tantas políticas nos últimos 50 anos para cortar o que cresce como unha. Repensar o modelo de Estado, buscando um perfil enxuto e simplificado, é demanda que já não podemos evitar, sobretudo depois de ser aprovada nos EUA a redução de 35% para 21% do Imposto de Renda das empresas. No Brasil, a alíquota é de 34%, ante média de 24,2% na OCDE.
Até lá um cuidadoso pente-fino nos processos burocráticos ajudaria, e muito, a dar fluidez ao ambiente de negócios e estreitar os laços com a economia internacional. Se não é a solução definitiva, ao menos representaria importante passo na busca pela produtividade e competitividade de nossos empreendedores.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.