Folha de São Paulo
Henrique Meirelles, Moreira Franco, Michel Temer e Eliseu Padilha em reunião sobre a Previdência
São assustadores os sinais de que o desarranjo das contas públicas e a capacidade do governo em honrar seus compromissos chegaram ao limite.
Entre os especialistas já havia poucas dúvidas de que, em algum momento, a elevação das receitas tributárias não seria suficiente para sustentar o exponencial aumento das despesas públicas.
Esse momento foi sendo adiado por expedientes adotados ao longo das últimas décadas, ignorando sistematicamente controles mais rígidos das despesas. Em vez disso, os esforços se concentraram em aumentos da carga tributária, que hoje atinge 32% do PIB, uma das mais altas entre os países emergentes.
Mas não foi só. Os recentes governos lançaram mão de outros artifícios, como as “pedaladas” e as revisões de metas do deficit fiscal, culminando com a discussão sobre a suspensão da chamada “regra de ouro”, que impede a emissão de dívida pública para cobrir gastos correntes.
Estamos, enfim, caminhando rumo à exaustão do modelo fiscal —e só não vê quem não quer.
Há, no entanto, um componente que dá dramaticidade inédita ao cenário: a crise nas contas públicas chegou ao dia a dia da população de forma dolorosa, materializada, por exemplo, no fechamento de postos de saúde, na ausência de policiamento e no atraso de salários e aposentadorias do funcionalismo em alguns Estados.
É o colapso dos serviços públicos essenciais, que, aliás, nunca primaram pela excelência.
Esse sofrimento desenvolve na população a consciência de que recursos destinados originalmente à aplicação no bem comum foram tomados por grupos de interesse.
Ao mesmo tempo, os brasileiros também compreenderam que nada mudará sem um ordenamento orçamentário que remova privilégios, assegure estabilidade fiscal e garanta serviços de qualidade.
A sociedade já demonstrou capacidade de superar situações-limite quando identifica lideranças confiáveis e tem acesso a informações transparentes. Foi assim que o país apoiou maciçamente o Plano Real, curando a chaga da inflação que nos consumia há décadas.
Os políticos ainda não acordaram para as atuais demandas do país e tratam a equação fiscal como se dançassem um bolero na base do dois para lá, dois para cá. É hora de mudar em favor da maioria.
As medidas necessárias são conhecidas e não há mais tempo a perder. As reformas não podem ser adiadas, e as políticas industriais caducas devem ser encerradas.
Da mesma forma, já está atrasada a supressão de incentivos e subsídios que beneficiam interesses e setores específicos, como a desoneração da folha de salários e os programas de refinanciamento de dívidas tributárias com descontos generosos.
A elite empresarial e as poderosas corporações do país adotariam tais bandeiras se tivessem consciência do que seria uma economia livre das amarras geradas pela fragilidade fiscal.
Nesse caso, abandonariam as demandas particulares em prol de um projeto abrangente que resultaria em estruturas econômicas mais arejadas e num Estado ágil e eficiente.
Algumas conquistas recentes, embora parciais, dão ideia do potencial de transformação proveniente do equilíbrio fiscal. A inflação baixa e os juros em patamares mais civilizados que vivenciamos em 2017 ganhariam ares de normalidade, e não de fenômenos episódicos, como experimentamos em ocasiões passadas.
Isso daria nova dinâmica à produção, ao investimento, ao crédito e ao mercado de capitais, alimentando o emprego e o poder de consumo. Mais importante: seria o primeiro passo para remover as mazelas que a população mais necessitada enfrenta com intensidade cada vez maior.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.