Valor Econômico
A reforma do ensino médio foi sancionada pelo presidente em fevereiro do ano passado. Uma das principais novidades é a possibilidade que o jovem vai ter de escolher itinerários alternativos para cursar durante o ensino médio. Ou seja, se a escola oferecer todas as opções, o jovem poderá escolher se vai querer se especializar em linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou formação técnica e profissional. E vai poder concentrar 40% da carga horária em disciplinas dessas áreas. O ensino de português e de matemática continuará sendo obrigatório nos três anos do ensino médio. Será que a reforma do ensino médio é uma mudança na direção correta? Como será sua implementação? A reforma conseguirá melhorar a educação no Brasil?
Apesar do grande avanço educacional ocorrido no Brasil nas últimas duas décadas, ainda temos muitos problemas no ensino médio. Dos 22 milhões de jovens entre 18 e 22 anos, 25% saíram da escola sem completar esse ciclo. Dados do Inep que acompanham os mesmos alunos ao longo do tempo mostram que 13% dos jovens abandonam a escola no primeiro ano do ensino médio e outros 12% o fazem no segundo ano. Ou seja, parte significativa dos nossos jovens não parece disposta a investir o tempo e o esforço necessários para obter o diploma do ensino médio.
A reforma parte do pressuposto de que essa evasão está relacionada com o desinteresse dos alunos, devido à forma como o ensino médio está estruturado atualmente. No formato atual os alunos têm que cursar obrigatoriamente todas as disciplinas, mesmo se não quiser fazer ensino superior, por exemplo. Esse diagnóstico está correto. Em pesquisas domiciliares, quando os jovens são perguntados porque não estão mais estudando, quase 40% deles dizem que não tem interesse na escola.
Mas, além disso, a gravidez na adolescência também faz com que muitas jovens abandonem a escola. E a grande taxa de repetência que existe no Brasil faz com que os repetentes cheguem ao ensino médio mais velhos, estigmatizados e com alto custo de oportunidade, o que torna a evasão muito mais provável. Assim, como a evasão é um fenômeno multifacetado, não devemos esperar que a reforma do Ensino Médio acabe totalmente com ela. O MEC deveria estimular as redes a acabar com a repetência em todos os níveis, por exemplo. Mas, a reforma é um passo na direção correta, o que já é um grande avanço nos dias de hoje.
Porém, a grande questão é como a reforma será implementada. Ainda não foram feitas análises estatísticas ou avaliações “ex-ante” para conhecermos mais sobre sua factibilidade e seus possíveis efeitos colaterais. Será que todas as escolas públicas terão condições de oferecer as diferentes trajetórias para seus alunos? Será que elas terão que contratar mais professores especialistas ou os professores existentes darão conta do recado? Há professores disponíveis nas diversas trajetórias nos pequenos municípios? Como ainda não temos respostas para todas essas perguntas, precisaremos ter muito cuidado com a implementação da reforma para não termos efeitos colaterais ruins.
Uma preocupação aventada por vários especialistas é que a reforma poderá ampliar a desigualdade se algumas escolas somente oferecerem aos seus alunos a opção pelo ensino técnico, mesmo aqueles com potencial para alçar voos mais altos. Isso pode agravar a forte estratificação que já existe entre as escolas públicas e privadas atualmente, trazendo-a para dentro do sistema público. Nessa situação hipotética, os alunos nas regiões mais pobres fariam a trilha do ensino técnico enquanto os demais poderiam escolher entre as demais trilhas. Isso seria terrível.
Outra possibilidade (bastante provável) é que tudo permaneça como está, já que existe a opção de que as escolas mantenham o status quo. As escolas poderão ainda inventar “pseudo-itinerários” para mostrar ao MEC que estão fazendo alguma coisa. Por exemplo, grande parte dos diplomas de ensino médio obtidos na minha geração tinham a frase “especialista em análises químicas”, para jovens que nunca passaram perto de um laboratório. A frase era apenas para cumprir uma exigência da legislação, mas nunca foi colocada em prática.
No caso da opção pelo ensino técnico, também há uma série de dúvidas. Aonde serão feitos os cursos técnicos: na própria escola, no Senai, em empresas privadas ou em oficinas? Qual será o valor gasto por aluno? Poderemos utilizar o programa Jovem aprendiz? Quem vai certificar os cursos realizados pelos alunos? Quais serão os critérios para a certificação? Quem poderá dar aulas nesses cursos? E no caso das profissões que não existirão mais no futuro, pois serão realizadas por robôs, o que vai acontecer com os alunos que se especializarem nessas ocupações?
Outra preocupação é que poderá ocorrer uma pressão dos empresários locais para que as escolas terceirizem os cursos técnicos para aliviar a pressão no sistema escolar usando recursos públicos. Temos que ter cuidado para não repetirmos os exageros que ocorreram no Fies, que geraram um esqueleto de milhões de reais a serem pagos pelas gerações futuras e que colocaram em risco a própria existência de um sistema de financiamento educacional no Brasil. A regulação das parcerias entre as escolas públicas e as empresas privadas que por ventura vierem a oferecer cursos de ensino técnico terá que ser muito bem feita para evitar problemas futuros.
Em suma, apesar de ser um passo na direção correta, existem muitas dúvidas com relação à implementação da reforma do ensino médio no Brasil. O diabo está nos detalhes. As principais preocupações dizem respeito a uma possível ampliação da desigualdade entre os alunos e à regulação das parcerias público-privadas nos cursos técnicos. Não podemos deixar uma boa ideia dar errado por erros de desenho e implementação. Vida que segue.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.