Valor Econômico
Os sinais mais nítidos de aquecimento da economia americana, a partir de meados do primeiro trimestre, e as evidências de que o Fed, o banco central dos Estados Unidos, poderia reagir com uma alta menos gradual da taxa de juros, contribuíram para desencadear uma tendência de fortalecimento do dólar e uma inflexão da política monetária, em direção menos expansionista, em diversas economias emergentes.
Ainda que a orientação geral das mudanças na política monetária seja contracionista, há grande variância, até agora, no seu conteúdo.
Em alguns casos, como na Argentina e na Turquia, as altas foram bastante expressivas (12,75% e 9,75%, respectivamente). Tais movimentos, por sinal, acabaram tendo efeito desproporcional sobre a perspectiva do mercado quanto ao estado da política monetária nas economias emergentes. Em outros, como no caso brasileiro, houve a interrupção, que pode se mostrar definitiva, de um ciclo de distensão monetária.
Vale examinar os fatores que levaram às distintas respostas de política econômica. Para
simplificar a análise, consideramos sinais típicos de desequilíbrio macroeconômico, a saber:
o comportamento da inflação e das expectativas em relação às metas, o saldo em conta corrente e a taxa de desemprego.
É possível dividir as economias emergentes no início do processo, em fevereiro passado, em quatro grupos: aqueles com inflação acima da meta e acelerando (Argentina, Turquia, República Tcheca, Índia e Filipinas); os que estão com inflação em queda, mas acima da meta (México, Colômbia e Taiwan); os que têm inflação abaixo da meta, mas em aceleração (Rússia, Hungria, Indonésia, Hong Kong, África do Sul, Coreia do Sul, Peru, Chile, Tailândia, Cingapura e Malásia); e aqueles que têm inflação abaixo da meta e em queda (Polônia, China e Brasil) – utilizando núcleos e, na ausência de metas formais, a inflação média dos últimos três anos para fazer a classificação.
Todos os países no primeiro grupo experimentaram altas de taxas de juros, sendo mais fortes, como mencionado acima, na Argentina e na Turquia, as quais, além de problemas inflacionários, têm elevados déficits em conta corrente (equivalentes a 3,7% e a 6,3% do PIB, respectivamente) e desemprego abaixo da média histórica.
No segundo grupo, houve respostas variadas. O México, face às incertezas políticas e nas
relações comerciais, e com o mercado de trabalho aquecido, apertou a política monetária, a
Colômbia a relaxou, enquanto Taiwan deixou a taxa básica estável.
Há um grande número de economias emergentes com inflação abaixo da meta (ou da média dos últimos anos), mas em aceleração. Também nesse grupo as ações de política monetária têm sido díspares: África do Sul, Rússia e Chile cortaram a taxa básica, ao passo que Hong Kong (em linha com o Fed) e Indonésia aumentaram os juros, e os demais não alteraram a taxa básica.
No grupo em que o Brasil se incluía, em fevereiro passado, entre economias com inflação subjacente baixa e em desaceleração, duas delas mantiveram a taxa de juros (Polônia e China), enquanto o nosso Banco Central (BC) cortou a Selic em 0,5%.
No caso brasileiro, a depreciação cambial, que parece refletir fatores externos e também locais (o risco soberano brasileiro, medido pelo CDS de cinco anos, subiu de cerca de 160 pontos-base, no início do ano, para 265 p.b., recentemente), contribuirá para uma aceleração inflacionária. No curto prazo, aos efeitos da depreciação se juntarão aqueles, importantes, derivados das interrupções de oferta causadas pela paralisação dos transportes de carga rodoviários. Com isso, a inflação deve apresentar alta forte no curto prazo, para a faixa de 4,5% em termos anuais.
Mas a paralisação do transporte e o concomitante aperto das condições financeiras (juros de mercado e dólar em alta, bolsa em queda) devem esfriar uma recuperação que já se mostrava não mais do que tépida, o que tende a manter o grau de ociosidade da economia elevado por mais tempo.
O fato é que o balanço de riscos tanto para a inflação quanto para a atividade piorou nas últimas semanas. O BC, corretamente, tem priorizado a análise à analogia em seu processo decisório, dando peso maior às condições locais do que a desenvolvimentos globais na determinação da Selic, e não tem evitado que o real se ajuste ao novo cenário. Com isso, a autoridade monetária não chancelou, em sua última reunião, a alta de juros que estava apreçada no mercado até poucos dias antes do evento. Mas tampouco conseguiu, pelo menos em um primeiro momento, convencer os investidores de que o risco inflacionário passou, ou que seria insignificante. Isso vai depender do comportamento das medidas subjacentes (ou núcleos) de inflação e das expectativas inflacionárias durante e após o repique de junho.
O alto grau de ociosidade prevalecente na economia e a credibilidade da diretoria do Banco
Central tendem a limitar o risco de o choque se generalizar e se perpetuar. Mas o BC está correto ao sugerir, em sua comunicação, que as próximas decisões da política monetária vão depender mais do que o normal da evolução dos dados, e não estão pré-determinadas.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.