Artigos

Guerra comercial e a economia dos EUA

Valor Econômico


No âmbito internacional as iniciativas de política econômica da administração Trump têm  dominado o noticiário, com impacto importante sobre os preços de ativos. Depois do pacote de estímulos fiscais, aprovado no final de 2017 (do lado dos impostos) e início deste ano  (aumento de gastos), a energia do governo americano tem se voltado para as relações comerciais.

A escalada de iniciativas tem sido constante desde o início do ano e acelerou a partir de março. A nova política comercial americana tem tido foco tanto setorial, cobrindo indústrias que julgam ter sido particularmente prejudicadas pela competição internacional, e que convenceram as autoridades desse fato, bem como geográfico, com ações voltadas para reduzir o déficit bilateral com a China, além de limitar e buscar compensações para alegados atentados contra a  propriedade intelectual.

As medidas protecionistas começaram, assim, com imposição de tarifas para as indústrias de máquinas de lavar e painéis solares, seguidas por aço (com impacto sobre o setor siderúrgico brasileiro) e alumínio, aos quais se seguiram anúncios mais abrangentes referentes ao comércio com a China, União Europeia e setor automotivo. Não surpreendentemente, os anúncios dos EUA acarretaram sinais de potenciais retaliações, o que poderia degenerar em uma espécie de espiral protecionista.

A guerra comercial, ou o risco da mesma, tem efeito negativo sobre a atividade econômica. A propósito, o FMI, em recente atualização de sua publicação Perspectiva Econômica Global (WEO), apontou as crescentes tensões comerciais como um dos fatores de risco para a atividade econômica, que poderiam ter impactos negativos sobre a recuperação atualmente em curso, bem como sobre o crescimento a médio prazo, por contribuir para a má alocação de recursos, reduzir a produtividade e desestimular o investimento.

Assim, se considerarmos a economia americana, a política fiscal atua para estimular a atividade econômica no curto prazo (como os EUA imprimem a moeda de reserva e têm grau de investimento, a expansão fiscal tem esse efeito, o que não vale para o nosso caso). Por outro lado, a política comercial tende a ter o efeito contrário.

Esses efeitos contraditórios vêm atuar sobre uma economia que apresenta riscos tanto de superaquecimento quanto de recessão – colocando em termos estatísticos, as caudas da  distribuição para a trajetória do PIB parecem ter engrossado.

Do lado do aquecimento, temos um mercado de trabalho apertado, com desemprego abaixo dos níveis que geralmente desencadeiam aceleração salarial, e níveis de preços de ativos, em especial no mercado acionário, que estimulam o dispêndio. E temos também os efeitos da citada expansão fiscal (que podem chegar a 1,3% do PIB em termos cumulativos), os quais devem influenciar a atividade em 2018 e na primeira metade de 2019, ainda que de forma declinante.

Quanto ao risco recessivo, cabe registrar que a recuperação, com duração de 112 meses, já é mais longeva do que a média histórica, 58 meses, logo alguma reversão ao padrão típico tende a ocorrer. Considerando os fundamentos, a taxa de juros já parece estar próxima ao nível de neutralidade, o que enseja condições financeiras menos acomodatícias. O ajuste monetário feito pelo Fed já ocasionou algum aumento do comprometimento da renda das famílias com o pagamento de juros, ainda que para um nível bem inferior àquele observado antes da crise de 2008. Além disso, a alta contemporânea de juros e salários atua para comprimir as margens das empresas, o que desestimula o investimento.

Os mercados de ativos podem ajudar a antecipar reversões cíclicas. A inclinação da curva de juros, em especial, tem um histórico de antecipar, com poucos falsos positivos, as recessões. Especificamente, quando a diferença entre as taxas de juros dos títulos (Treasuries) de dois anos e um ano torna-se negativa, a probabilidade de que uma recessão tenha início nos 12 meses seguintes é elevada. De forma análoga, quando o spread entre o título de 10 anos e o de um ano se torna negativo, a probabilidade de uma recessão em 24 meses é elevada.

Ambos os diferenciais de taxas de juros caíram bastante nos últimos anos, mas ainda se  encontram em território positivo. Ocorre que os contratos de derivativos de juros nos EUA  sugerem que esses diferenciais podem estar no campo negativo no final desse ano e início de 2019. E vale lembrar que, em 2020, os efeitos do estímulo fiscal terão passado, quando os resultados do aperto monetário serão sentidos de forma mais intensa.

Em resumo, olhando adiante, os riscos de recessão nos EUA tendem a aumentar, ainda que, por ora, estejam equilibrados diante dos riscos de superaquecimento. A política comercial adiciona incerteza ao cenário e tende a aumentar o risco recessivo, em especial se acabar detonando um processo de retaliação e aumentos recíprocos de tarifas.

A emergência do risco recessivo, derivada em parte do risco de guerra comercial, pode levar o Fed a adotar um gradualismo ainda maior na condução da política monetária. Mas isso não necessariamente traria alívio duradouro para ativos e moedas de economias emergentes, cujo crescimento costuma sofrer em momento de contração do comercial mundial.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

 

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita