Folha de São Paulo
O debate econômico nas eleições passadas conseguiu ser ainda mais raso do que o observado em 2014, feito que muitos acreditavam impossível.
Se, por um lado, as propostas do PT foram de uma leviandade absoluta (congelar o preço do gás depois do desastre da administração Dilma?), por outro, as ideias do campo vencedor foram extraordinariamente vagas, ainda mais depois que o então candidato impôs silêncio obsequioso a seu futuro ministro da Fazenda.
Há, para começar, um enorme desequilíbrio fiscal. Estimo que o déficit recorrente do setor público, já deduzido o impacto da inflação, se encontre próximo a R$ 320 bilhões (4,7% do PIB) nos 12 meses até setembro. Desses, R$ 170 bilhões resultam do déficit primário recorrente, enquanto R$ 150 bilhões refletem o pagamento dos juros reais sobre a dívida pública, hoje na casa de R$ 5,2 trilhões (77% do PIB).
Mesmo levando em conta a melhora visível de desempenho fiscal de 2016 para cá, deve ficar claro que a situação exposta acima é insustentável, pois implica expansão persistente da dívida pública com relação ao PIB (e, portanto, à capacidade de pagamento).
É bem verdade que a dívida é, quase toda, denominada em moeda nacional, ao contrário dos exemplos grego e argentino, em que a incapacidade de pagamento levou ao calote explícito.
No caso brasileiro, uma “solução” possível para o problema seria a fixação de taxas de juros inferiores à inflação, provavelmente acompanhada de mecanismos de repressão financeira. A dívida cairia, mas à custa de aceleração forte da inflação, ou seja, da volta a velhos problemas, dos quais escapamos há menos de um quarto de século.
Se quisermos evitar esse cenário, não haverá alternativa à austeridade fiscal, o que foi explicitamente reconhecido pelo futuro ministro logo após a remoção do silêncio obsequioso. Bem menos claro, contudo, é como se pretende chegar lá.
Em que pesem juras de eliminação do déficit primário no ano que vem, é conhecimento comum que, sem reformas de grande porte, tais promessas são inexequíveis.
Como tenho notado há muito, o governo federal controla de fato menos de 10% do que gasta. Mesmo que conseguisse cortar toda essa despesa (sem, por milagre, paralisar a administração pública), não chegaria próximo de cumprir a promessa.
Para esse fim, é essencial reformar a Previdência, bem como repensar e reduzir o grau de vinculação das demais despesas do Orçamento.
Nada disso, porém, foi explicado ao distinto público, que possivelmente ainda crê na balela de que o combate à corrupção resolverá nossos desequilíbrios.
Não é por outro motivo que, apesar da renovação inesperada no Congresso, o apoio a causas como essa é bastante inferior ao requerido, ainda mais quando se explicitam os efeitos das mudanças requeridas sobre a população em geral.
Omitir os reais problemas do país do debate eleitoral pode ser uma medida acertada no sentido de chegar ao poder, mas certamente criará dificuldades apreciáveis para aprovar medidas que, a rigor, não chegaram a passar pelo crivo do voto popular.
Para quem se vangloria da sinceridade, a ausência de um debate econômico sério foi mais que sentida.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.