Valor Econômico
O envelhecimento da população e a presença de significativos déficits financeiros fez com que a previdência social tenha se tornado um dos principais temas no debate brasileiro atual. As principais propostas de reforma da previdência no Brasil são de três tipos: ou instituem um plano de capitalização com contribuições obrigatórias e contas individualizadas, ou mantêm o atual sistema de repartição com parâmetros diferentes dos atuais ou criam um sistema híbrido de repartição e capitalização.
Muitos defensores do sistema de capitalização consideram que ele seria mais justo, por pagar benefícios de acordo com as contribuições individuais e por remunerar essas contribuições de acordo com os juros de mercado. O principal problema com esse sistema, porém, está na transição quando já existe um sistema de repartição. Na medida que os novos segurados passam a depositar suas contribuições em um fundo de previdência, o governo perde uma fonte de financiamento para pagar os atuais aposentados, o que é problemático em um momento de crise fiscal. Além disso, se o novo sistema valer também para os atuais contribuintes, como a dívida previdenciária com esses contribuintes seria computada?
Do ponto de vista fiscal, a reforma mais segura é simplesmente alterar alguns parâmetros do atual sistema: idade mínima, taxa de contribuição, número de contribuições exigido e/ou valor do benefício. Mas, a definição dos parâmetros que seriam alterados geralmente é feita levando-se em conta a busca pelo equilíbrio financeiro do sistema. Da mesma forma, as regras de transição geralmente são definidas de forma a equilibrar as contas públicas o mais rapidamente possível. Isso acaba colocando em risco a justiça atuarial.
A previdência é um seguro social e as pessoas contribuem para o sistema enquanto estão trabalhando com a expectativa de receber um benefício no futuro. Cada trabalhador tem um número no INSS, ou seja, existe um vínculo contributivo e quem não seguir as regras de contribuição não vai receber o benefício.
Assim, nós também defendemos uma reforma paramétrica, mas a nossa proposta leva em conta o princípio de justiça atuarial1. Ou seja, estamos propondo mudar os parâmetros de forma a proporcionar uma taxa de retorno justa para o segurado. Nossa proposta é simples: mantém as alíquotas de contribuição atuais e, fundamentalmente, altera a taxa de reposição salarial, ou seja, a proporção do salário médio ganho durante a carreira que os trabalhadores devem receber como benefício no futuro, quando se aposentarem. Segundo a nossa proposta, a taxa de reposição passaria a depender do número de contribuições efetuadas e da duração dos benefícios a serem recebidos, de modo a produzir uma taxa de retorno esperada de 3% para o contribuinte.
Nossas simulações indicam que as nossas taxas de reposição salarial seriam bem menores do que as atuais, de modo que a nossa proposta traria ganhos fiscais significativos no longo prazo. Por exemplo, hoje em dia um trabalhador que se aposenta aos 65 anos e que contribuiu por 30 anos, recebe um benefício maior do que a média dos salários que obteve enquanto estava trabalhando. Segundo a nossa proposta, para obter uma taxa de retorno de 3% ele deveria receber apenas 71% do salário médio. Quanto mais tempo ele contribuir, maior é a porcentagem do salário que ele poderá receber como benefício. Além disso, propomos idade mínima de 65 anos e tempo de contribuição mínimo de 25 anos, em linha com as demais propostas existentes.
Outra vantagem é que ela estabelece um princípio norteador e horizontal para a transição. A nossa regra de transição consiste em calcular, no momento da aposentadoria, dois benefícios: um com base nas regras pré-reforma e outro com base nas regras pós-reforma. A média ponderada desses benefícios produziria o benefício final e os pesos seriam dados pelo tempo que o segurado passou em cada um dos regimes. Se o trabalhador tiver que trabalhar mais na transição, ele terá um benefício maior, sempre de forma a obter uma taxa de retorno de 3% sobre as suas contribuições.
Nossa proposta, apesar de simples, traz uma visão diferente sobre o caráter distributivo do sistema previdenciário brasileiro. Ao admitirmos que as contribuições estão ligadas aos benefícios futuros, nós enxergamos o sistema atual como redistributivo e não concentrador de renda. Por exemplo, no sistema previdenciário privado atual a taxa de retorno dos menos qualificados é em média bem maior do que o retorno dos mais qualificadas, pois estes contribuem com mais de 28% do seu salário (somando empregados e empregadores) e passam mais tempo no setor formal da economia do que os mais pobres. Além disso, os menos qualificados recebem uma aposentadoria igual ao salário mínimo, independentemente do tempo e do valor da contribuição.
No setor público, porém, como as regras para a aposentadoria são diferentes, a taxa de retorno dos que ganham maiores salários é mais elevada do que no setor privado. Assim, a nossa proposta valeria para todos os trabalhadores, tanto no setor público como no setor privado, para eliminar as diferenças entre esses sistemas.
Em suma, nossa proposta é uma tentativa de aproximar o atual sistema previdenciário de um sistema de capitalização, sem introduzir contas individuais nem incorrer num custo de transição elevado. Acreditamos que a justiça atuarial é um princípio que deve ser buscado, mesmo num sistema de repartição. Consideramos também que o governo possui um contrato com os segurados feito no passado e que, portanto, tem que garantir o retorno das contribuições feitas pela regra anterior à reforma por uma questão de justiça. Para resolver o problema fiscal no curto prazo seriam necessários impostos gerais, pagos por toda a sociedade e não apenas pelos trabalhadores.
1 Os resultados completos estão disponíveis no artigo: “Sistema Brasileiro de Previdência Social: Uma Proposta de Reforma”, disponível em: www.anpec.org.br/encontro/2018/submissao/files_I/i12-5276380ce6836d0a9111 26a3592b3042.pdf
Por: Reynaldo Fernandes e André Portela
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