Folha de São Paulo
Tragédias têm sido usadas para fins pessoais e políticos desde sempre, mas isso não justifica tolerar essa prática particularmente abjeta.
A presidente do PT, em breve ex-senadora, Gleisi Hoffmann, que não perde oportunidade de perder oportunidade de ficar calada, não se fez de rogada. Em sua conta no Twitter, aproveitou-se do desastre de Brumadinho para afirmar que “cedo ou tarde a privatização cobra seu preço da população”. É uma declaração canalha em várias dimensões.
A começar porque não há nenhum nexo de causa e efeito entre a natureza da empresa (privada ou estatal) e o comportamento que leva a catástrofes como a de Brumadinho. Para quem não se recorda, o pior desastre nuclear de que se tem notícia, em Tchernobil, foi de responsabilidade de uma empresa estatal, então sob um regime socialista, como era a Ucrânia, em 1986, uma das repúblicas da extitna URSS.
Se quisermos ficar por aqui, porém, em 2010, por exemplo, comandada por Sergio Gabrielli, a Petrobras registrou 57 vazamentos de petróleo, equivalentes a 4,2 milhões de barris. Não faltam casos de empresas estatais (em vários governos, de orientações políticas distintas) e privadas que causaram sérios danos ambientais, quando não mortes.
Nesse contexto, como se pode concluir, não faz a menor diferença quem quer que seja o acionista controlador da companhia. Assim, atribuir o desastre à privatização, ocorrida há mais de 20 anos, não apenas soa como oportunismo barato como é mesmo oportunismo barato.
Isto dito, seu partido, nos longos 13 anos em que permaneceu no poder, poderia reverter as tão malignas privatizações, mas não o fez, se bem que, no caso da Vale, não podemos deixar de lado, como a esquecida futura ex-senadora, que o governo Dilma interveio na empresa, forçando a demissão de seu então presidente, Roger Agnelli, em 2011.
Adicionando à trama, a responsabilidade pelo ocorrido não se limita à Vale. A empresa opera sob regulação e fiscalização de várias instâncias governamentais. No caso da barragem da Mina do Córrego do Feijão, a deliberação normativa 217, emitida pelo governo de Minas Gerais, então chefiado por Fernando Pimentel, permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no estado.
Há pouco mais de um mês, diga-se, a Câmara de Atividades Minerárias, órgão do governo do estado, rebaixou o risco da barragem.
Mentiria se dissesse ter condições de opinar sobre os aspectos técnicos, tanto da deliberação normativa quanto da decisão da Câmara de Atividades Minerárias, mas, independentemente disso, deve ficar claro também que o governo de Minas Gerais também é responsável pela tragédia.
Apesar disso, a imêmore futura ex-senadora convenientemente se esquece de mencionar o fato, talvez porque seu partido controlasse o estado à época.
Ao final, não falta culpa no cartório, mas, como argumentado, a tentativa de atribuir a tragédia à privatização reflete, além de óbvia ignorância, interesses políticos escusos. Em parte, para tentar impedir que lama de Brumadinho respingue no já enlameado partido, ocupação em tempo quase integral de seus dirigentes.
Mais relevante, talvez, é o interesse pela manutenção do atual estado das coisas. Políticos de vários matizes, ideológicos inclusive, se opõem à privatização por uma razão muito simples: enquanto houver carniça, os urubus terão o que comer.
Nada menos confessável, nem, infelizmente, mais verdadeiro.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.