Folha de São Paulo
A resistência em aceitar o poder transformador da inovação é alimentada por uma economia fechada
Num mundo cada vez mais iluminado e movido pela energia limpa do vento e do sol, com veículos migrando do motor a combustão para elétrico e testando a direção autônoma, com avanços notáveis na medicina, é frustrante estarmos longe das inovações tecnológicas que promovem bem-estar e enriquecem países outrora atrasados.
Esses movimentos evoluem a passos rápidos até em regiões mais carentes, como a África, e dão à China destaque em inteligência artificial e em tudo o que une a internet à manufatura, a indústria 4.0. Mas, aqui, tais desenvolvimentos mal engatinham. Estão travados por questões fiscais e financeiras, como a reforma da Previdência.
Não é que a reforma, como diversas outras, não seja prioritária. Muito ao contrário. Ela serve de prova de nosso atraso econômico e social, com o país dependente da produção extrativa, cujo valor, embora relevante, não se compara à dimensão do mercado digital.
Existe entre as lideranças públicas e privadas certa miopia sobre o papel do avanço tecnológico no desenvolvimento econômico e na solução de nossas grandes aflições. Não é difícil identificar a falta de compreensão em áreas essenciais para nos aproximarmos das principais tendências tecnológicas.
Recentemente, por exemplo, executivos das operadoras de telecomunicações jogaram para 2020 o início do ciclo de investimentos na tecnologia 5G, enquanto EUA, China e Alemanha já fazem a transição para a nova geração de telefonia móvel. Sem o 5G, as atuais fronteiras da ciência, como a telemedicina e os veículos autônomos, jamais serão inteiramente ultrapassadas, assim como não será viabilizada uma infinidade de inovações que dependem de um sistema robusto de internet.
Da mesma forma, ao mesmo tempo em que discutimos o spread bancário, o segundo maior do mundo conforme estudo de 2017 do Banco Mundial, as fintechs nascidas à margem do setor financeiro convencional simplificam e popularizam o crédito em suas mais diversas vertentes nos EUA, na China, na Índia, na Argentina, na África.
Outra: líderes da indústria automobilística no Brasil vêm a público defender o etanol para a realidade local, num momento em que países e montadoras já estabeleceram prazos para aposentar o motor a combustão, deslocando suas energias para os veículos elétricos, muito menos poluentes.
É disso, em última instância, que o Brasil está abrindo mão: benefícios claros para a sociedade e conforto e segurança da população. A resistência em aceitar o poder transformador da tecnologia é alimentada por uma economia fechada, por governantes e políticos pouco informados, por academia e universidades defasadas e por empresas acomodadas.
Mudar tal mentalidade é o primeiro (e primordial) passo para reverter o déficit tecnológico ao qual o país se impôs. Há que mudar ainda os conceitos que norteiam os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para tornar mais eficiente a aplicação dos parcos recursos destinados à área.
Países bem-sucedidos investem em programas tecnológicos de longo prazo, com fontes de financiamento exequíveis e que buscam resolver problemas nacionais e desafios empresariais.
Emerge desse esforço o ambiente propício ao empreendedorismo inovador e com alto impacto social. Esse é, enfim, o berço das transformações econômicas que importam, como demonstra a história de Coreia do Sul, China, EUA. Essa é também a base sobre a qual se sustentam sociedades justas e dinâmicas, grupo no qual, legitimamente, queremos ingressar. Ninguém honra os perdedores.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.