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Mudanças constitucionais

A equipe econômica propôs várias mudanças na economia através de emendas constitucionais e medidas provisórias. A reforma da previdência foi aprovada, as PECs do Pacto Federativo e da Emergência Fiscal foram enviadas ao Senado e a medida provisória com o programa verde e amarelo já está vigorando. Quais serão os impactos de todas essas mudanças sobre a produtividade, a desigualdade e o desemprego no país?

Seria impossível discutir todas essas reformas em um único artigo. Assim, limito-me a discutir os aspectos mais gerais de todas elas. Para analisar o mérito das PECs do pacto federativo e da emergência fiscal, é preciso entender que a principal razão para os problemas fiscais da União, dos Estados e dos municípios é o comportamento dos políticos ao longo do ciclo econômico. Quando os nossos termos de troca melhoram, como ocorreu ao longo da década passada, a economia cresce e a receita de impostos aumenta. O presidente, os prefeitos e governadores aproveitam esse aumento na receita de impostos para ampliar seus gastos, contratar mais funcionários públicos e aumentar salários para aumentar a probabilidade de serem reeleitos.

Conceder bolsas com recursos públicos para que alunos estudem em escolas privadas não faz sentido. Porém, quando os ventos externos mudam de direção, as receitas de impostos diminuem, mas a União, os Estados e municípios não conseguem (ou não querem) diminuir seus gastos e então quebram. A solução seria impedir que os entes federativos aumentassem os gastos demasiadamente nos períodos de crescimento econômico e fazer com que seja mais fácil reduzi-los na recessão. Para isso foi criada a lei de responsabilidade fiscal. Mas, ela não está funcionando direito, pois foi sendo relaxada ao longo do tempo. Assim, mudanças são necessárias para atualizar a lei e permitir mais flexibilidade no orçamento dos entes federativos.

Com relação ao salário mínimo, sua fórmula de reajuste também deveria depender do ciclo econômico. Em períodos recessivos, o reajuste deveria apenas repor a inflação. Em períodos de crescimento, porém, os reajustes deveriam acompanhar o crescimento do PIB por trabalhador. Assim, não seria necessário mudar a fórmula de reajuste do Benefício de Prestação Continuada ou das aposentadorias que são ligadas ao salário mínimo, pois o seu valor real não aumentaria em períodos recessivos. Sempre que há uma nova PEC o governo tenta desindexar o BPC. Mas a sociedade, através dos seus representantes no Congresso, já deixou claro que não quer mexer nesse programa. Assim, é melhor se conformar com isso.

A redução do número de municípios viria em boa hora. Vários deles são pequenos demais e não têm capacidade gerencial para cuidar das suas escolas nem da assistência básica na saúde, o que prejudica muito o futuro das crianças que vivem nesses locais. Muitos desses municípios não têm arrecadação própria, vivem das transferências dos fundos de participação e usam a maior parte desses recursos somente para manter os funcionários públicos municipais, cujos salários vem aumentando continuamente. Na verdade, o ideal seria que grande parte das transferências da União fosse direto para as famílias mais pobres através de programas como o Bolsa Família, por exemplo, que é muito mais focalizado e tem forte efeito multiplicador.

A ideia de manter as vinculações com educação e saúde, mas somando o percentual nas duas áreas também faz sentido. Como o número de crianças em idade escolar está diminuindo e a parcela de idosos aumentando, a necessidade de recursos para a saúde tenderá a aumentar mais do que para a educação. Assim, essa medida traria mais flexibilidade para o gestor alocar seus gastos de modo mais eficiente.

Entretanto, a possibilidade de concessão de bolsas de estudos com recursos públicos para que os alunos estudem em escolas privadas, que poderiam continuar selecionando seus alunos, não faz sentido. Pode acontecer no Brasil o mesmo que houve no Chile, em que as escolas privadas selecionavam apenas os melhores alunos da rede pública e que tinham condições de pagar mensalidades adicionais. Isso aumentou muito a estratificação escolar, deixando somente os alunos mais pobres na rede pública.

Além disso, correríamos o risco de ter várias escolas de qualidade questionável expandindo suas atividades apenas para receber recursos públicos, pressionando por aumentos no valor da bolsa sem preocupação com a qualidade do ensino, piorando, assim, a situação fiscal dos Estados e municípios. Para estimular a competição entre escolas públicas e privadas o correto seria permitir o funcionamento das escolas conveniadas (“charter”).

Com relação ao pacote de estímulo ao emprego, há várias evidências de que desonerações desse tipo não funcionam. Os mais velhos hão de lembrar do programa “primeiro emprego”, lançado pelo governo Lula em 2003, que foi descontinuado em 2007 depois de ter gerado apenas cerca de 30 mil empregos em três anos. Não parece que a falta de emprego entre os jovens decorra dos custos de contratação, mas sim de falta de demanda na economia e da baixa qualificação desses jovens.

Ainda estamos numa fase de baixa do ciclo econômico, os sinais vindos do exterior são conflitantes e houve grande queda nos investimentos públicos sem contrapartida no setor privado. Além disso, a proposta de cobrar uma contribuição previdenciária sobre os desempregados para financiar o programa não faz qualquer sentido, pois seria equivalente a um imposto sobre os que estão passando por mais dificuldades.

Nesse sentido, a proposta para uma nova agenda social, lançada na semana passada por Tabata Amaral e Rodrigo Maia, é bem mais promissora para aumentar a produtividade e reduzir a desigualdade. A proposta coloca o programa Bolsa Família na Constituição, ajusta os critérios de pobreza desse programa para incluir mais beneficiários, aumenta o valor dos benefícios e cria um benefício adicional para famílias com crianças na primeira infância (0 a 6 anos de idade), entre outras medidas.

Várias pesquisas mostram que aumentos de transferências para famílias pobres com crianças aumenta bastante a produtividade futura delas. Além disso, programas como o Bolsa Família impactam fortemente as economias locais, geram empregos e parte dos recursos retorna para o governo na forma de mais impostos. A bola está com o Congresso Nacional.

Fonte: Valor Econômico, 22/11/2019

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho