Fim do benefício emergencial gera incerteza; ação social deve ser redesenhada
FOLHA
Com o cinismo usual, o presidente Jair Bolsonaro encenou mais uma pantomima ao jogar sobre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) a responsabilidade por não ter sido aprovado um 13º pagamento para os beneficiários do Bolsa Família.
O ilusionismo não durou mais do que algumas horas, quando a própria base de apoio do Palácio do Planalto se ocupou de obstruir a votação de uma medida provisória que poderia tratar do tema.
A MP, editada em setembro, dizia respeito à prorrogação do auxílio emergencial no valor de R$ 300 até o final do ano. Nunca foi a voto devido ao medo do próprio governo de que os parlamentares elevassem o valor do benefício.
Com o fim do estado de emergência —que permitiu que as despesas com a pandemia ficassem fora do teto constitucional— em 31 de dezembro, a discussão em torno da MP é, na prática, ociosa.
A legalidade de novos pagamentos dependeria de rearranjo no Orçamento, mas o governo não se interessou em fazer as escolhas necessárias e levá-las ao Congresso.
Assim como nunca quis de fato o 13º do Bolsa Família, Bolsonaro não se preocupou em construir técnica e politicamente uma alternativa ao fim do auxílio emergencial.
Foram meses de hesitações, ora com menções a programas grandiosos fora do teto de gastos e custeados por novos impostos, ora com negativas peremptórias.
Agora, no apagar de 2020, não restam mais do que cerca de R$ 29 bilhões —menos de 10% do montante total autorizado para o auxílio— em desembolsos que ficarão para 2021, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente.
A esperança é que a retomada da economia, já em andamento, e a poupança acumulada com os pagamentos facilitem uma transição não muito traumática.
As incertezas se concentram no primeiro trimestre de um ano que, acredita-se, tende a ser mais favorável —com as expectativas para o crescimento da economia a rondar os 3,5%, ainda modestos diante da queda de mais de 4% em 2020.
O episódio deixou mais evidente a necessidade de aperfeiçoar os programas de renda. A sociedade civil entrou no debate com ampla gama de estudos e alternativas.
Um deles, elaborado com apoio do Centro de Debates de Políticas Públicas, defende ampliar e melhorar a focalização do Bolsa Família, além da criação de um seguro de renda para trabalhadores informais e de uma modalidade de poupança vinculada à educação.
A proposta já é debatida no Senado, com o nome de Lei de Responsabilidade Social e previsão de remanejamento de recursos orçamentários dentro do teto de gastos. Não será surpresa se o governo andar a reboque do Legislativo mais uma vez nessa seara.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/12/sem-auxilio.shtml
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