Pedro Luiz Passos e Luis Fernando G. Pinto*
ESTADÃO
É uma situação difícil de explicar. A lei não é cumprida, mas a situação é legal. Este é o caso do Código Florestal. Para entender é preciso voltar no tempo.
A lei existe desde 1934, sendo atualizada em 1965. Desde sempre, foi descumprida por parte dos imóveis rurais no Brasil. O que não significa que não é cumprida por ninguém ou que fosse impossível de ser cumprida. Pelo contrário. O requisito de Reserva Legal é cumprido por 96% dos imóveis do Brasil, segundo estudo publicado em 2019. Os 4% que não cumpriam eram apenas 148 mil imóveis que acumulavam uma dívida de restaurar ou compensar 9 milhões de hectares, quase uma Santa Catarina.
Mas o não cumprimento do Código de 1965 passou a ser um problema a partir de 2008, com a Lei de Crimes Ambientais. Pois não cumprir com o Código Florestal significa ter havido desmatamento ilegal, o que passou a ser um crime. Assim, não cumprir a lei passou a ser um problema, com consequências para os irregulares: Além da imagem de ilegalidade de um setor importante para o País, o fim do acesso ao crédito rural.
Havia dois caminhos: cumprir ou mudar a lei. Depois de longas negociações, chegamos a uma nova versão em 2012. Esta reconheceu o não cumprimento da anterior e criou regras de transição para os irregulares. Antes disso, perdoou uma dívida de 41 milhões de hectares de desmatamentos ilegais, sendo 10 milhões na Mata Atlântica.
Ficou a conta de restaurar outros 19 milhões de hectares. Destes, ao menos 4 milhões são Áreas de Preservação Permanente da Mata Atlântica ou áreas de entorno de nascentes e de rios da região do País que abriga a maior parte da economia e da população e que sofre com a falta de água em cidades como São Paulo e Curitiba. Além de ser o bioma mais ameaçado do País, é aquele cuja restauração pode dar grande contribuição para enfrentarmos as mudanças climáticas.
Assim, a expectativa era de que a implementação da lei fosse agilizada e finamente cumprida, com o plantio das florestas. Após nove anos pouco aconteceu, pois os prazos para o início da implementação foram adiados sucessivas vezes. Um estudo do Climate Policy Initiative (CPI) mostrou que seguimos em passo de tartaruga e muito pouco evoluiu. Outro estudo do CPI apontou que havia 56 propostas de alteração da lei no Congresso Nacional, em geral para diminuir os seus requisitos ou alterar os prazos de implementação.
Assim chegamos a um impasse. Mas enquanto os ataques andam em Brasília, cabe aos governos estaduais finalizarem a regulamentação e iniciarem a implementação. De maneira geral, também muito atrasados, com exceções.
A Aliança dos Governadores pelo Clima gera expectativas, pois cumprir o Código Florestal e recuperar as florestas nativas é uma ação de alto impacto e ao alcance de todos. Pode ser o seu grande legado. Assim como líderes do agro nacional e CEOs de empresas de alimentos e biocombustíveis devem estar preparados para demonstrar como e quando vão cumprir integralmente a lei, com o aumento das florestas no campo. Afinal, o que falta para isso acontecer?
Este tipo de cobrança pode emergir nas negociações dos acordos comerciais multilaterais. O acordo União Europeia–Mercosul deve ter cláusula sobre o cumprimento da lei ambiental. O que deve valer como interpretação para o Código Florestal? Há riscos para o açúcar, o café e o suco de laranja da Mata Atlântica? Antecipar com ações concretas de restauração é uma oportunidade para os líderes do setor.
*SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE E DIRETOR DE CONHECIMENTO DA FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA
Link da publicação: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,execucao-do-codigo-florestal-agora-e-responsabilidade-dos-estados,70003665830
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