FOLHA
Desde os anos 1980 existe uma tendência de redução da tributação sobre os lucros das empresas. Surgiu toda uma literatura acadêmica segundo a qual a alíquota de imposto sobre a renda do capital deve ser muito baixa, no limite nula.
Capital é um fator que se acumula, resultado de esforço de trabalho e de poupança, cujo crescimento eleva a renda do trabalho. O mais eficiente é tributar a renda do trabalho e o consumo.
Além da teoria, a elevação da mobilidade do capital entre países instaurou guerra fiscal com seguidas reduções de impostos para atrair investimento.
Joe Biden, o presidente dos EUA, aprovou no Congresso ambicioso pacote fiscal de 9% do PIB, para enfrentar o segundo ano da epidemia. Adicionalmente prepara audacioso programa de investimento em infraestrutura, The American Job Plan, para os próximos anos.
Para financiar o gasto e dar sustentabilidade à
dívida pública, o Ministério da Economia dos EUA, conhecido por Departamento do
Tesouro, prepara elevação da tributação sobre o lucro das empresas.
Essa foi uma agenda que não avançou nem no governo Clinton nem com Obama. Foi a
grande ausente no período em que vigorou a chamada “Terceira Via”. Não sabemos
como o Congresso se pronunciará. Mas a ação do Executivo é um começo.
Alguns fatos podem ter mudado a maré: o reconhecimento de que a redução da tributação do capital explica parte da piora da desigualdade nos últimos 40 anos; novos resultados teóricos que alteram os teoremas dos anos 1980 de alíquota nula sobre a renda do capital; e, finalmente, a percepção de que a renda do capital tem adquirido a natureza de retorno sobre o talento e menos sobre o esforço de trabalho e de poupança.
Difícil saber exatamente o que ocorre, mas parece que Biden muda um navio que desde os anos 1980 estava na rota da redução do Estado e, principalmente nos EUA, da carga tributária.
A proposta aumenta o imposto sobre o lucro das empresas de 21% para 28%. Segundo o documento oficial, é importante elevar a alíquota pois nos EUA, em razão de inúmeras desonerações, a renda do capital, na prática, não é tributada na pessoa física.
Assim, seria justificada alíquota maior na pessoa jurídica, como, aliás, ocorre no Brasil, onde a alíquota já é de 34% (e 40% para empresas do setor financeiro).
A nova legislação americana eliminará incentivos tributários que hoje estimulam as empresas a gerar lucro e produzir, ambos em outros países.
Haverá esforço coordenado dos EUA com os países da OCDE para que se institua uma alíquota mínima de imposto sobre a renda do capital. Se uma país adotar alíquota menor, os demais cobrarão a diferença.
Em particular, o governo americano não aceitará deduções de impostos pagos em países que aplicam alíquota menor do que a alíquota mínima.
O imposto de subsidiárias atuando em outros países será calculado país a país, o que eliminará a possibilidade do planejamento tributário de localizar as atividades mais custosas em países com alíquota elevada e, dessa forma, gerar prejuízos, que compensam o lucro de atividades mais rentáveis, localizadas nos países que menos tributam.
A ação mais radical é a criação de uma alíquota mínima de 15% sobre o lucro contábil. O lucro contábil é o lucro apurado para efeito de distribuição de dividendos aos acionistas e, em geral, baliza parcela, ao menos, da remuneração dos executivos.
O lucro contábil costumeiramente é superior ao lucro tributado, fato que também ocorre no Brasil. Uma série de isenções e de políticas de incentivo a esta ou aquela atividade criam uma diferença, que pode ser muito elevada, entre esses dois conceitos de lucro.
Há casos, segundo o relatório do Tesouro, de empresas com enormes lucros apresentarem prejuízo para efeitos de tributação.
Vigora nos EUA estímulo para que a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a produção de patentes se localizem em solo americano.
O lucro acima de uma taxa-base de lucratividade é atribuído aos intangíveis e é tributado com uma alíquota menor. Assim, há estímulo para que as atividades com os tangíveis, que apresentam menor retorno sobre a capital, se localizem fora dos EUA, de sorte a elevar a taxa de lucro nas atividades nos EUA.
Acaba por estimular a produção fora dos EUA, mesmo que não seja o mais eficiente. Biden trocará essa diferenciação por um estímulo direto à atividade de P&D.
Vejamos como o Congresso se pronunciará.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2021/04/biden-mexe-na-tributacao-sobre-o-capital.shtml
As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.