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É preciso olhar além da eleição

Infomoney (publicado em 04/21/2021)

O Brasil passou por um período de surpresas positivas neste ano, que perduraram até o meteoro dos precatórios. Apesar do negacionismo do presidente e do trabalho ruim do governo no combate à pandemia, que causaram muitas hospitalizações e mortes desnecessárias, o Brasil acabou se tornando um dos melhores países no processo vacinal.

Com a compra de bons imunizantes e com a vacinação em massa — mérito da eficiente estrutura de aplicação de doses que existe no país —, conseguimos uma taxa de vacinação muito boa, superior à de muitos países desenvolvidos, onde parte da população se recusa a tomar vacinas.

É uma situação bastante positiva, que permite a retomada da atividade econômica. Outra boa notícia é o fato de o PIB acumulado de 2020 e 2021 estar no terreno positivo. Houve uma retração de 4,1% no ano passado e a projeção para este ano é de uma expansão de cerca de 5%. Além disso, a relação dívida-PIB surpreendeu positivamente.

Em janeiro de 2020, antes do início da pandemia, a estimativa era que essa relação ficasse em 79% no fim de 2021. A previsão chegou a aumentar para 100%, e agora espera-se que a dívida feche o ano em torno de 80% do PIB.

É verdade que a inflação maior ajuda a melhorar esse indicador, já que eleva o PIB nominal e a arrecadação. Mas essa não é a única explicação.

O crescimento da economia tem sido liderado pelo ciclo favorável de commodities e pela indústria, já que, durante a pandemia de covid, as pessoas consumiram mais bens do que serviços. Como os impostos pagos pelo setor industrial são maiores que os de serviços, a arrecadação aumentou.

Um quarto fator positivo é o fato de o presidente ter deixado de fazer ameaças ao processo eleitoral. Com isso, as tensões políticas, que atingiram o pico no feriado de 7 de setembro, gerando uma onda de apreensão muito grande em empresários e investidores, diminuíram.

Não são poucas as notícias positivas, mas elas fazem parte do presente ou do passado. O risco de impactos negativos está no futuro, e o mercado financeiro costuma descontar o futuro.

Um problema é a inflação mais alta do que se imaginava. Esperava-se que o desemprego elevado ajudasse a conter o aumento de preços no setor de serviços, mas não é o que estamos vendo. A inflação se espalhou pela cadeia, obrigando o Banco Central a elevar os juros.

Não acredito que estejamos caminhando para um ambiente de inflação irremediavelmente alta, mas ela não deverá convergir para a meta em 2022 — para que isso ocorresse, o BC teria de provocar uma baita recessão. Deverá se normalizar em 2023 ou 2024.

Outro fator bastante negativo é a guinada populista do governo. O problema não é gastar mais do que o previsto em situações emergenciais, como durante uma pandemia. O país estourou o teto de gastos em 600 bilhões de reais em 2020 e ficou tudo bem.

Poderia estourar novamente neste ano para resolver a questão dos precatórios e dar continuidade ao auxílio emergencial, porque há muitas pessoas precisando de ajuda. O problema é jogar isso na perpetuidade, sem um plano para atingir o equilíbrio fiscal.

O que muitos políticos não entendem, ou fingem não entender, é que o populismo eleitoral tem consequências terríveis para a economia. Quando o governo gasta mais do que arrecada de forma perene, gera a necessidade de aumento de juros, o que eleva a despesa do próprio governo com o pagamento do serviço da dívida.

Além disso, taxas mais altas reduzem o lucro das empresas. Fazendo a conta, cada real que o governo gasta com medidas populistas gera uma perda quatro vezes maior para a economia.

Quando as coisas vão mal, o investidor se sente como num trem-fantasma: quando pensa que o terror acabou, aparece mais uma caveira. Muitos se perguntam qual vai ser a última caveira no nosso trem-fantasma. O investidor costuma lidar melhor com a perspectiva do final horroroso do que com o horror sem fim.

O Brasil precisa de reformas para sair da situação ruim em que está. Uma das mais importantes é a administrativa, que, se bem-feita, poderá reduzir os gastos públicos e aumentar muito a produtividade do setor público.

Não é possível que o governo tenha de arrecadar 35% do PIB para pagar seus gastos. São 2,8 trilhões de reais. É fundamental que sobrem recursos para investimentos. Mas há outras mudanças mais simples de ser feitas e que podem melhorar bastante o cenário para o país.

Existem alguns low-hanging fruits para ser colhidos com pouco esforço. Um deles diz respeito à educação pública. A pandemia prejudicou muito a escola pública, mas inseriu a tecnologia no ambiente educacional.

Os benefícios da tecnologia aplicada à educação pública deverão ser imensos. Já vemos melhoras no estado de São Paulo e em alguns estados do Nordeste, e há uma experiência positiva acontecendo no Paraná. A tecnologia também pode trazer eficiência à saúde pública. Além disso, existe espaço para aprimorar a infraestrutura urbana, que pode ser um motor de desenvolvimento.

Um dos erros da esquerda é acreditar que a solução para os problemas do país é aumentar o salário mínimo e a cadeia de salários: assim, as pessoas consomem mais, e os empresários ganham dinheiro e investem. Isso gera efeitos positivos para a economia por um período, mas está provado que não funciona de maneira sustentável.

O tripé que funciona nos países que deram certo é aumentar a produtividade do trabalhador — o que leva tempo, mas produz ganhos mais duradouros de renda — e melhorar a saúde e a educação públicas.

Cenário para os investimentos

Os juros baixos levaram muitos brasileiros a sair da renda fixa e investir em ações, fundos imobiliários, fundos de private equity e alternativas de maior risco. Com a queda dos preços dos ativos, estão ocorrendo resgates mais significativos.

Há investidores que compram uma ação por 100 reais e ficam felizes quando o preço cai para 80 reais — se era uma boa opção por 100 reais, ficou melhor ainda com o preço mais baixo. Mas existem aqueles que entram em pânico e vendem. Hoje, estamos vendo uma onda de resgates, em parte motivada pelo trem-fantasma.

Os fundamentos do país são ruins, mas não são uma calamidade. Ainda assim, esse lado técnico dos resgates está fazendo a bolsa cair. A bolsa brasileira não está de graça como estava quando o ex-presidente Lula foi eleito pela primeira vez, em 2002. Mas o preço das ações já embute muita coisa ruim.

O risco para o investidor é ficar preso à questão eleitoral e não ver as oportunidades que surgem independentemente do que acontece em Brasília. Há muitas novidades interessantes em diferentes campos da economia, principalmente graças à tecnologia, que podem fazer o Brasil melhorar.

Um exemplo é o desenvolvimento de fintechs, com recursos de fundos de venture capital. Essas startups produzem ganhos significativos para a economia. Ao aumentar a concorrência, geram deflação. Além disso, ampliam o acesso de pequenas e médias empresas a serviços financeiros, reduzindo a mortalidade dessas firmas.

Vale lembrar, no entanto, que muitas das grandes invenções da humanidade deram prejuízo a quem investiu nelas. Aconteceu com as ferrovias no século 19: elas levaram os Estados Unidos a um progresso sem precedentes, mas muitos investidores perderam dinheiro com elas.

Também ocorreu com as empresas de internet em 2000, quando estourou a bolha na bolsa americana. Não é fácil investir em inovação. É preciso saber distinguir o benefício gerado por uma nova tecnologia disruptiva do que já está no preço.

Tenho convicção de que, em algum momento, as pessoas vão se convencer de que o experimento monetário de estímulos dos bancos centrais é muito ruim para as finanças mundiais. O ambiente de juros reais negativos provoca comportamentos errados.

As pessoas tendem a comprar bens e ativos de maior risco porque, se deixarem dinheiro em caixa, terão prejuízo. Não pode ser assim. Sempre que o ser humano faz coisas que contrariam a lógica e o bom senso, sofre as consequências.

Atualmente existem pressões inflacionárias no mundo todo. Os preços dos imóveis sobem de forma acelerada e a bolsa continua a valorizar, seguindo a expansão de lucro das empresas.

Acompanho com cautela esse cenário em que muitos investidores estão ganhando dinheiro há um bom tempo investindo no exterior, porém ainda não é claro se essa festa pode estar perto do fim. Quando tudo já subiu muito, é ainda mais necessário escolher com muito critério quais são as boas empresas para investir. O que se sabe é que o capitalismo não é fácil.

Link da publicação: https://www.infomoney.com.br/especiais/ed05/luis-stuhlberger-e-preciso-olhar-alem-da-eleicao/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Luis Stuhlberger