Valor (publicado em 26/01/2022)
Horacio Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
A indústria é muito importante para o Brasil e dela não se pode abrir mão se o país almeja recuperar uma sólida e longa trajetória de desenvolvimento. Mesmo hoje respondendo por apenas 11% do PIB, ela é responsável por 24% da receita tributária federal e por 67% da atividade privada de pesquisa e desenvolvimento. O emprego com carteira assinada chega a 63% de todas as ocupações no setor ante 40% nos serviços e 16% na agropecuária. Além disso, paga salários médios cerca de 10% maiores do que o restante da economia.
A indústria é essencial para um agronegócio moderno e competitivo. Não há agricultura rentável sem equipamentos de todo o tipo – de tratores a colheitadeiras, de material para irrigação a sensores, drones, computadores, silos, máquinas de beneficiamento e transformação, de caminhões a vagões. Não há agricultura competitiva sem defensivos agrícolas e sem fertilizantes, produtos da indústria química.
Também não há setor de serviços dinâmico sem equipamentos, cada vez mais sofisticados, com o avanço da informática e dos meios de comunicação. Novos meios de pagamento estão transformando o sistema financeiro; o comércio online já é uma realidade incontornável; no transporte, sensores e satélites asseguram rastreabilidade e apontam para maior automação; na educação e na saúde dispositivos eletrônicos ampliam acesso remoto e abrem novas possibilidades de ensino e tratamento.
Apesar disso tudo, há quem ponha em dúvida a capacidade de recuperação da indústria no Brasil. De fato, seu futuro não está garantido, já que depende de uma série de mudanças urgentes de três naturezas.
Primeiro, em tudo o que a cerca, incluindo o sistema tributário, a logística, a regulação, a educação e o esforço público e privado em ciência e tecnologia.
Segundo, na capacidade de se posicionar diante de duas transições que determinam o novo cenário – a economia digital e a economia de baixo carbono. O que vem pela frente quebra paradigmas e impõe escolher novas avenidas para o desenvolvimento que priorizem a especialidade competitiva em detrimento da diversificação protegida.
Terceiro, a indústria brasileira tem que se integrar ao mundo, importando e exportando insumos e produtos sem limitações ou barreiras tarifárias e não tarifárias, enfrentando de forma extrovertida a competição, fator determinante para o aumento da produtividade.
Por serem mudanças transversais e com a ênfase das novas tecnologias nas formas de produzir, estes três vetores de revitalização industrial não apenas permitiriam o surgimento de novos segmentos e atividades industriais como também viabilizariam a atualização do parque existente de acordo com as melhores referencias globais.
Fala-se muito na desindustrialização brasileira. O termo pode não ser adequado, mas o que as estatísticas deixam claro é que nos últimos 15 anos o PIB industrial brasileiro estagnou. Estava em 2019 nos mesmos níveis de 2004. Ou seja, o Brasil cresceu, mas a sua indústria ficou parada, perdendo espaço tanto no mercado interno e, de forma mais significativa, no mercado internacional. O aumento do consumo interno advindo do crescimento e da sofisticação da demanda brasileira foi atendido por importações.
O Brasil tem imenso potencial de transformar-se no grande supridor mundial de produtos com baixa pegada de carbono. Nossa matriz energética, cada vez mais renovável, nossas matérias primas de origem agrícola e a exploração econômica e responsável de nossa biodiversidade são oportunidades que nenhum outro país do mundo tem. O que falta para seguirmos este caminho?
A discussão sobre as perspectivas da indústria brasileira, tem, portanto, que mudar radicalmente. Temos que sair da fase de lamúrias e virar a página das antigas políticas industriais que adotamos no passado para perseguirmos mudanças em temas que irão viabilizar a indústria do futuro. Questões conjunturais são sim importantes, mas precisamos atentar que a sua solução — desde logo, muito desejada – tão somente nos permitirão migrar de uma situação industrial atualmente muito precária para uma condição menos ruim, mas de qualquer forma insustentável no longo prazo.
As três questões essenciais são, portanto:
- a solução dos problemas que afetam a competitividade da indústria brasileira;
- a modernização da indústria pela adoção das técnicas de gestão e de tratamento de dados que exigem novos conhecimentos e outros tipos de máquinas e equipamentos, e
- a busca de alternativas de processos e produtos que respondam efetivamente a uma demanda por produtos com menor pegada de carbono.
Essas são as discussões substantivas nas quais devemos nos concentrar, se há mesmo desejo que a indústria cumpra o seu papel no crescimento econômico, na criação de empregos, na arrecadação de impostos e na geração de divisas. Uma indústria integrada internacionalmente, orientada para produzir o que o mundo deseja e atendendo ao que cada vez mais é exigido em termos da proteção ambiental. Aí sim, haverá futuro para a indústria brasileira.
Ao perseguir estas questões não estaríamos fazendo nada muito diferente do restante do mundo, a exemplo dos Estados Unidos, da União Europeia e da China, entre tantos outros, que, por meio de estratégias industriais e tecnológicas e de planos de infraestrutura, estão buscando ganhar mais competitividade e expandir, em bases modernas e sustentáveis, sua capacidade manufatureira.
Este necessário debate nos afastará das questões conjunturais e nos aproximará das grandes questões do futuro, tais como:
- a formação dos profissionais brasileiros e o investimento público e privado em pesquisa, desenvolvimento e inovação;
- a rápida digitalização e modernização do parque industrial brasileiro;
- a internacionalização da indústria brasileira, com uma acelerada e incondicional liberalização das importações e rápida integração da indústria local às cadeias internacionais de valor e
- a mudança da forma de operar da indústria visando atender às crescentes demandas ambientais e de sustentabilidade em consonância com a agenda global.
Este é o nosso sonho: ver o Brasil liderar a construção de uma nova fronteira, a que o mundo deseja e precisa. Uma indústria moderna, limpa, inovadora e referência na transição para a economia de baixo carbono. É a única forma de chegarmos – vivos e competitivos – ao futuro.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-industria-do-futuro-e-o-futuro-da-industria.ghtml
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