O Globo
Em prefácio, juiz da Lava-Jato pede iniciativas robustas contra corrupção
BRASÍLIA – O juiz Sergio Moro aproveitou o prefácio que escreveu para o recém-lançado livro “Infraestrutura: eficiência e ética”, organizado pelo economista Affonso Celso Pastore, para fazer uma análise do atual processo de combate à corrupção no Brasil e reclamar da falta de “iniciativas mais robustas” do governo e do Congresso nesse campo. Segundo o juiz da Lava-Jato, essas duas instituições “deveriam ser as mais sensíveis à revelação do quadro de corrupção sistêmica”, mas pouco têm feito.
O juiz critica a dificuldade de se aprovar as Dez Medidas Contra a Corrupção e elenca ao menos três propostas em tramitação no Congresso que podem atrapalhar as investigações: o projeto de abuso de autoridade, o que visa a restringir a delação premiada e o que procura impedir a execução da pena antes do transito em julgado.
“O Brasil encontra-se em uma encruzilhada. É possível avançar na implementação do Estado de Direito e no fortalecimento da democracia, o que exige o enfrentamento da corrupção sistêmica. Ou é possível retroceder ao status quo anterior, de desenfreada corrupção sem responsabilização. A passagem entre um modelo de privilégio para um modelo de responsabilidade não se faz sem turbulência”, diz Moro.
Se o Congresso é alvo de críticas, o Supremo Tribunal Federal (STF) é elogiado pelo juiz Sergio Moro. Ao longo do texto, o magistrado destaca especialmente a mudança da regra de execução da sentença em segunda instância e o fim das doações empresariais nas eleições, ambas alteradas a partir de mudanças de entendimento da Corte. Segundo ele, coube ao Supremo, portanto, as “reformas mais significativas para superação da corrupção sistêmica”.
Moro também aponta o julgamento do mensalão como o marco inicial do processo de ruptura com a “tradição de impunidade” brasileira.
“No passado, raramente, mas com honrosas exceções, envolvidos em crimes de corrupção de grande magnitude respondiam, nas cortes de Justiça, pelos seus crimes. Nesse aspecto, o Brasil está rompendo com uma tradição de impunidade, talvez iniciada, em 2012, pelo julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ação penal 470, quando condenados empresários, parlamentares e ex-ministro do Poder Executivo por esquema de corrupção envolvendo cooptação de apoio político em troca de propinas”, avalia.
Moro destaca a necessidade de aprimoramento da legislação como forma de fortalecer a Justiça criminal e prevenir corrupção nas “relações público-privadas”:
“É uma ilusão acreditar que a corrupção sistêmica pode ser enfrentada unicamente pelo enfoque da Justiça criminal. Crimes complexos como os de corrupção são difíceis de serem identificados. Mesmo identificados são difíceis de serem provados. Mesmo quando provados nem sempre o sistema de Justiça é forte o suficiente para garantir a punição de culpados poderosos”, escreveu Moro, acrescentando:
“Certamente, isso não significa que a ação vigorosa da Justiça criminal é prescindível. Observado o devido processo legal, ela é condição necessária para superar a impunidade que atua como fator de estímulo à criminalidade dos poderosos”.
MÃOS LIMPAS
O juiz faz uma comparação da Operação Lava-Jato com a Operação Mãos Limpas, ocorrida na década de 1990, na Itália, destacando que “à semelhança do que aconteceu” no país europeu, a Lava-Jato revelou “um esquema de corrupção sistêmica”. Ele diz, no entanto, que a corrupção aqui é de “origem pouco determinada” e com alcance ainda não dimensionado precisamente.
Moro também argumenta que o país enfrenta a corrupção com uma lei penal “mais vigorosa”, com investigações mais eficientes contra os envolvidos nos crimes.