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Desafio fiscal e a transição de 2019

Valor Econômico


A deterioração fiscal nos últimos cinco anos foi muito acentuada, o resultado primário  acumulou déficits, e a dívida bruta se aproximou de 75% do PIB ao final de 2017. Cabe registrar que a recessão e a consequente queda das receitas apenas aceleraram um desequilíbrio originado da tendência histórica de crescimento dos gastos públicos (que tiveram um aumento médio anual real de 6% entre 1997 e 2016).

O atual governo decidiu enfrentar o desafio do ajuste fiscal de forma gradual. O cerne dessa  estratégia está na implementação dos dispositivos da EC 95, aprovada no final de 2016, que  criou limites para a taxa de crescimento dos gastos primários, ressalvadas condições  extraordinárias e eventos não recorrentes. A opção pelo controle de gastos decorreu do fato que, além de complexa, a carga tributária brasileira já é bastante elevada se comparada a de países com renda per capita semelhante ou à média de nossa região – em 2016, foi de 32% do PIB, frente a 23% do PIB na média dos demais países da América Latina. Além disso, a literatura acadêmica sugere que ajuste fiscal calcado na redução de gastos tende a ter menor impacto sobre o produto do que programas baseados no aumento dos impostos.

O elevado grau de rigidez do orçamento público torna desafiador o cumprimento da medida ao longo dos próximos anos. Pouco mais de 5% do gasto primário total do governo central  (equivalentes a 1% do PIB) é efetivamente discricionário e potencialmente passível de corte.  Dada a dinâmica das despesas com previdência (que correspondem a cerca de metade do gasto primário do governo central e crescerão, no mínimo, 4% ao ano em razão do rápido envelhecimento da população e da baixa idade média de aposentadoria no país), a ausência da reforma implicaria a necessidade de cortes draconianos, com baixa sustentabilidade política, no restante do orçamento.

Ajuste fiscal calcado na redução de gastos tende a ter menor impacto no PIB que os baseados no aumento de impostos.

A necessidade da reforma da Previdência decorre do envelhecimento acelerado da população brasileira, em meio a regras de concessão de benefícios previdenciários  (considerando-se a idade média e a taxa de reposição das aposentadorias), os quais  implicam desequilíbrio fiscal crescente ao longo do tempo.

Em dezembro de 2016, o governo Temer propôs uma reforma da Previdência, dando sequência ao esforço de criar as bases para um ajuste fiscal gradual, iniciado com a aprovação do teto para os gastos públicos. A proposta original implicava uma economia total acumulada de R$ 851 bilhões em 10 anos (ou de 2,1 pontos percentuais do PIB em 2025), sendo R$ 810 bilhões na previdência do setor privado (ou 2 p.p. do PIB em 2025) e R$ 41 bilhões (ou 0,1 p.p. do PIB em 2025) na do setor público, na comparação ao cenário sem reformas. A última proposta  tramitando na Câmara dos Deputados, por sua vez, previa uma economia de cerca de 65% da original, isto é, de R$ 550 bilhões no total acumulado de 10 anos (ou 1,4 p.p. do PIB em 2025), sendo R$ 471 bilhões (ou 1,2 p.p. do PIB) na previdência do setor privado e de R$ 79 bilhões (ou 0,2 p.p. do PIB) no setor público, divididos em 1,2 p.p. do PIB vindos de menores gastos e 0,2 p.p. de maiores receitas. A proposta que está na Câmara seria um bom ponto de partida, ainda que não o ponto terminal, de uma agenda de reforma da previdência.

A proposta do governo Temer deveria ser complementada por várias outras iniciativas, na busca do equilíbrio atuarial e maior equidade do sistema. Tais iniciativas deveriam contemplar questões como as aposentadorias rurais, regimes especiais como o dos militares, e a reversão das desonerações. Seria útil, também, do ponto de vista da gestão fiscal, desconstitucionalizar os parâmetros que regem o sistema previdenciário.

O debate sobre a reforma da previdência tem incluído também discussões sobre a adoção de um regime de capitalização, que substituiria o atual, de repartição. Ainda que o regime  de capitalização – ao estimular a responsabilidade individual e favorecer a poupança agregada -tenha vantagens sobre o de repartição, a transição seria bastante desafiadora por implicar perdas de receitas, na medida em que contribuições marginais seriam canalizadas para contas individuais, e não o fundo comum, que poderiam totalizar quase 6% do PIB ao ano.

Mesmo a adoção do regime de capitalização apenas para novos entrantes no mercado de  trabalho ensejaria custos elevados. Estimativa da equipe de economistas do Itaú Unibanco  indica que, no curto e médio prazo, a transição pioraria a trajetória fiscal atual, com a dívida  pública sendo 4 pontos percentuais do PIB maior e o resultado primário 0,9 ponto percentual  do PIB pior em 2025.

Os mecanismos corretivos contidos na EC 95, os chamados gatilhos, representam elementos de uma estratégia de ajuste fiscal que poderiam ser acionados ex-ante. Medidas adicionais de ajuste envolveriam reduzir isenções tributárias, reformar o seguro desemprego e abono salarial, bem como racionalizar os diversos programas de transferência de renda, consolidando e reforçando o mais exitoso, o Bolsa Família.

Temas áridos, como o ajuste fiscal, têm sido historicamente evitados nas campanhas eleitorais. No entanto, depois da eleição virá a gestão, e as forças vitoriosas não terão como se eximir de enfrentar a severa crise fiscal por que passamos. O novo governo não terá nenhuma obrigação de seguir o caminho traçado pelo atual, mas seria prudente não postergar o ajuste nem  esperdiçar os elementos mais promissores da estratégia gradualista estabelecida nos últimos anos.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita