Folha de São Paulo
É preciso evitar o risco de abreviar o voto de confiança digitado nas urnas pela maioria
As primeiras palavras de Jair Bolsonaro já na condição de presidente eleito, na noite de domingo (28), começaram a delinear as diretrizes de seu governo, depois de uma campanha raquítica em discussão programática por todos os candidatos, sem exceção, e em que a maioria votou mais com o fígado que com a razão.
Bons sinais foram emitidos em seu discurso de vitória, com a manifestação de respeito à Constituição e às instituições, em contraponto à retórica truculenta que pontuou seus sete mandatos de deputado federal.
Igualmente tranquilizadoras foram as manifestações de que falava a “todos os brasileiros”, e não apenas aos seus eleitores, numa atitude necessária para começar a desarmar a tensão acirradano segundo turno.
É um primeiro passo para criar um ambiente mais favorável ao encaminhamento dos graves problemas das contas públicas, da ineficiência do Estado e da baixa produtividade da economia.
Pela primeira vez, ele abordou de frente tais questões, de modo a tentar influenciar positivamente as expectativas, gerar confiança e balizar as decisões empresariais, virtualmente estagnadas há quase uma década.
Tais problemas, antigos e nunca resolvidos com firmeza, ganharam espaço relevante em suas falas e nas do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Aguarda-se o roteiro completo, especialmente quanto à encruada e essencial reforma da Previdência, já que, como se diz, o diabo mora nos detalhes.
Fortalecido pelo anúncio de que vai dirigir um megaministério, englobando Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior, Guedes listou, entre suas prioridades, a independência formal do Banco Central e um agressivo programa de privatizações, para abater dívida pública e dar agilidade à estrutura do Estado.
Tais intenções reforçam o viés liberal do novo governo, conforme sinalizado pelo presidente eleito. Nesse contexto, Guedes minimizou a importância do Mercosul em favor de um movimento de integração ampla do Brasil à economia global, com a derrubada gradual do protecionismo tarifário e de subsídios.
Para que tais iniciativas não hibernem indefinidamente no campo das boas intenções, esperam-se habilidade e perseverança do novo presidente para enfrentar uma quantidade infindável de lobbies tão ativos quanto retrógrados.
A revoada de missões rumo a Brasília com “sugestões ao novo governo” se intensificou nesta semana. Todo cuidado é pouco, uma vez que são estes que se opõem à modernização da economia, entre corporações de funcionários, ameaçadas de perder seus privilégios, e grupos empresariais interessados em retardar o processo de abertura da economia.
Além disso, Bolsonaro terá de conciliar a visão liberal e internacionalista que parece predominar na orientação econômica do futuro governo com o histórico de nacionalismo do estamento militar.Já houve discordâncias, por exemplo, quanto à amplitude das privatizações, insinuando que podem existir fontes de conflito entre as duas correntes.
Tais desafios e contradições não são inéditos às coalizões de forças que dominam a política nas últimas décadas. A incapacidade de superá-los levou ao colapso dos partidos políticos e à estagnação econômica, formando o pano de fundo da enorme insatisfação social refletida nas eleições.
Os acenos de Jair Bolsonaro, por tudo isso, precisam transformar-se rapidamente em ações concretas, sob o risco de abreviar o voto de confiança digitado nas urnas pela maioria dos eleitores.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.