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Crescimento com justiça social

Valor Econômico


O novo presidente assumirá com as tarefas hercúleas de sanear as finanças públicas, aumentar o crescimento da produtividade, promover a geração de empregos e continuar reduzindo a pobreza e a desigualdade.

Quais deveriam ser os caminhos para avançar com sucesso em tantas frentes ao mesmo tempo? Em termos de ajuste fiscal, a prioridade deveria ser implementar a reforma da previdência. Os gastos com previdência aumentam significativamente a cada ano e sem essa reforma ficará praticamente impossível cumprir o teto de gastos. Além disso, seria importante diminuir todos os subsídios e incentivos fiscais que não vão para os mais pobres.

Também seria necessário aumentar impostos, criando uma nova alíquota no imposto de
renda, tributando os lucros e dividendos e a herança.

Para aumentar a produtividade, será necessário promover mais competição nos mercados. Para isso, seria importante diminuir as barreiras à entrada de novas empresas, desburocratizando processos e diminuindo os incentivos às empresas já estabelecidas.

Além disso, o novo governo deveria reduzir as tarifas de importação para baratear o acesso aos insumos importados de melhor qualidade e também aumentar a concorrência.

Serão necessárias reformas que ampliem a concorrência e a entrada de novas empresas nos mercados Também é essencial que o novo governo continue trabalhando para reduzir a pobreza e a  desigualdade de oportunidades. A Constituição de 1988 criou o sistema único da saúde, que, apesar dos seus problemas, consegue atender milhões de brasileiros que não tinham acesso a nenhum serviço de saúde até o passado recente. Além disso, a constituição criou o benefício de prestação continuada (BPC), que provê aposentadoria aos idosos pobres, mesmo para aqueles que nunca contribuíram para o sistema por terem trabalhado no setor informal ou na agricultura familiar. Uma parte significativa da renda nas cidades mais pobres depende desse programa, cujo valor aumentou bastante nos últimos anos por estar atrelado ao valor do salário mínimo. Isso ajudou a diminuir a pobreza na zona rural e a migração para o Sudeste do país.

Em termos de educação, a ênfase deve estar no ensino médio, ciclo que concentra os principais problemas hoje em dia, tanto em termos de qualidade como em termos de evasão. As vinculações de recursos para a saúde e educação têm que continuar, pois são importantes para obrigar os prefeitos a investirem recursos nessas áreas. Sem as vinculações não é possível manter o Fundeb, que ajudou a universalizar o ensino fundamental e reduziu significativamente a diferença entre os valores gastos por aluno nos municípios brasileiros.

Em 1992 somente 1,4% dos negros e mulatos com idade para cursar o ensino superior estava na faculdade, ao passo que entre os brancos essa proporção era de 7,4%. Em 2017 a taxa entre os negros havia crescido para 14% e entre os brancos para 28%. Grande parte desse avanço mais rápido entre os negros ocorreu devido às políticas de ação afirmativa, que também ajudaram a aumentar a diversidade nas universidades. As cotas devem ser mantidas.

Em termos de assistência social, o programa Bolsa Família já é praticamente uma unanimidade no Brasil, pois conseguiu diminuir a pobreza extrema a um custo baixo sem efeitos adversos sobre o número de filhos ou oferta de trabalho das mães que recebem o programa, como mostram diversas avaliações de impacto. O Bolsa Família tem que continuar e o valor do benefício deve ser elevado.

A área social em que o Brasil mais precisa avançar é o desenvolvimento infantil. Várias  pesquisas recentes mostram que as crianças nascidas em famílias mais pobres muitas vezes acabam tendo seu desenvolvimento prejudicado caso sofram algum tipo de estresse continuado. Essas crianças repetem de ano várias vezes quando chegam na escola, evadem antes de concluir o ensino médio e depois passam a vida transitando entre a informalidade, o desemprego e, algumas vezes, o crime. Assim, a ênfase principal das políticas sociais daqui para a frente deveria estar na primeira infância.

Para gerar empregos, o foco tem que estar no setor de serviços, que é o que mais emprega  atualmente. A prescrição de política econômica nesse setor é a mesma: facilitar a entrada e a expansão de novas empresas, especialmente aquelas com novas ideias e tecnologias, e diminuir os incentivos às empresas existentes. Em particular, as leis de incentivos à inovação têm tido resultados pífios nas últimas décadas. Da mesma forma, as pessoas têm que estar capacitadas para serem contratadas. Jovens que nasceram em famílias pobres e que foram acumulando problemas ao longo da vida acabam dependendo para sempre da ajuda do Estado.

Em suma, a sociedade brasileira obteve avanços substanciais nos últimos 30 anos no sentido de caminhar para uma sociedade com mais igualdade de oportunidades. Entretanto, esses avanços não foram acompanhados de aumentos de produtividade. Para o futuro será necessário promover reformas que aumentem a concorrência e facilitem a entrada de novas firmas nos mercados. Mas, isso tem que ser feito ao mesmo tempo em que se preserva as políticas que transformaram a vida da população mais pobre nas últimas décadas.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Naercio Menezes Filho