Valor Econômico
O mês de março marcou o final da gestão de Ilan Goldfajn no BC. Foi, sem dúvida, uma das passagens mais bem-sucedidas pelo comando da instituição. Para tanto, contribuíram a competência da equipe e as condições de contorno.
A política econômica do governo Temer, liderada pela dupla Meirelles-Goldfajn, logrou estancar a sangria da recessão herdada do governo anterior, reduzir fortemente a inflação e, com isso, a taxa de juros. Adicionalmente, deu início ao longo processo de recuperação das contas públicas, contando também com importantes avanços institucionais, como a criação do novo regime de apreçamento dos empréstimos do BNDES, legislação sobre nomeações em empresas estatais e a PEC do controle dos gastos públicos.
O ministro da Fazenda, que conhece como poucos as dificuldades que um relacionamento conturbado entre seu ministério e o BC pode trazer para a condução da política monetária, soube manter condições sempre muito apropriadas para o bom desempenho da autoridade monetária. Esse respeito à autonomia de fato do BC parece trivial, visto de hoje, mas nem
sempre foi o caso, em especial quando o ministério foi ocupado por personagens que não compartilham das visões comumente aceitas, entre os economistas profissionais, sobre o papel da política monetária e a correta divisão de trabalho entre as diferentes instituições que conduzem a política econômica.
Na condução da política monetária, serenidade, perseverança e cautela superam, em muito, a hiperatividade
Fazenda e BC tomaram, dentro do CMN, decisões da maior importância. E, em conjunto, impulsionaram a legislação que deu origem à criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), a nova taxa básica para empréstimos do BNDES, alterando de forma fundamental a atuação do banco de fomento.
As deliberações do CMN sobre a trajetória de metas para a inflação costumam suscitar muito menos interesse público do que as decisões do Copom sobre a taxa de juros, mas são igualmente importantes: o CMN estabelece a estratégia da política monetária, do médio prazo, enquanto o Copom cuida da tática, do curto prazo (um horizonte de, digamos, dois anos). O governo Temer retomou o processo de convergência da inflação brasileira para o padrão internacional, algo que havia sido interrompido em 2007, com base na equivocada tese que mais leniência com a inflação compraria prosperidade. Assim, a partir de 2017 o CMN deliberou pela retomada da trajetória de redução das metas de inflação, estabelecendo 4,25% para 2019, 4% para 2020 e 3,75% para 2021. Com isso, a trajetória das metas finalmente se aproxima do padrão de 3%
perseguido pelas economias mais estáveis da região.
Na gestão monetária de competência exclusiva do Copom, o período Goldfajn provavelmente teve seus maiores acertos, em minha opinião, naquilo que não fez. O Copom acertou ao não reduzir a taxa básica de juros de forma precipitada em 2016, e ao não agir em sentido contrário em meados de 2018, mesmo que em contradição com o apreçamento do mercado e as opiniões de importantes analistas.
No início da gestão Goldfajn, em junho de 2016, o debate estava marcado pelo pessimismo quanto às perspectivas de redução da inflação, que havia terminado 2015 próxima a 11%. As expectativas de mercado para a inflação do ano seguinte encontravam-se em 5,5% ao ano, ante a meta de 4,5%, com a economia ainda próxima ao piso da recessão. Naquela conjuntura havia intensa discussão sobre a manutenção ou elevação da meta para 2017, com o argumento que isso seria necessário para viabilizar cortes de juros. O BC optou, corretamente, por aguardar a restauração da ancoragem das expectativas de inflação, a partir de outubro de 2016, para só então começar a flexibilização monetária, sem alterar a meta.
Com isso, o BC pôde começar a contribuir para a recuperação da economia, sem prejuízo de sua função precípua, que é garantir a estabilidade monetária. A cautela do BC, nesse período inicial, rendeu frutos importantes: a autoridade monetária pôde reduzir a taxa básica para o inédito patamar de 6.5% a.a., sem colocar em risco essa ancoragem de expectativas.
Outro momento de tensão para a política monetária, talvez o mais intenso, ocorreria em meados de 2018, mais especificamente entre junho e setembro. Nesse período, a combinação dos efeitos do aperto das condições financeiras globais e do recrudescimento da tensão pré-eleitoral no país levou o mercado de derivativos a apreçar pouco mais de 300 pontos básicos de elevação da taxa básica de juros no horizonte de um ano – ou seja, a visão dominante entre os participantes nesse mercado era de que a Selic deveria ser elevada de 6,5% a.a. para quase 10% a.a.. Essa percepção tinha como fator determinante a depreciação cambial, de cerca de 30%, acumulada entre março e meados de setembro.
A atuação do BC nesse período de estresse combinou intervenção no mercado cambial, por meio da colocação de swaps – o equivalente a cerca de US$ 45 bilhões, ou 12% do total das reservas – para assegurar seu bom funcionamento, com estrita observância às “regras do jogo” do regime de metas. Estas regras implicam que os desenvolvimentos econômicos e nos mercados de ativos sejam filtrados e capturados através das projeções de inflação e o balanço de riscos em torno das
mesmas. Seguindo esse princípio, o BC sinalizou, corretamente, que a depreciação cambial, por si só, não deveria ser alvo de reação da política monetária – que não haveria, em suma, relação mecânica entre câmbio e juros.
A serenidade e a perseverança demonstradas pelo BC naquela conjuntura foram fundamentais para evitar o que, à luz dos desenvolvimentos posteriores, teria sido uma postura equivocada, com custos expressivos para os objetivos e credibilidade da instituição. O BC Goldfajn demonstrou que, na condução da política monetária, cautela, serenidade e perseverança
superam, em muito, a hiperatividade. Tendo em vista os resultados obtidos, não há razão para se acreditar que o novo BC atuará de forma muito diferente.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.