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O fio da meada

Por que o real chegou a R$ 4,20/US$? Uma explicação seria a frustração no leilão da cessão onerosa da Petrobrás. É curioso que o anúncio do resultado do leilão levou simultaneamente à depreciação do real e à valorização das ações da Petrobrás. Como explicar o aparente paradoxo? Com o leilão realizado no sistema de partilha, a Petrobrás ficou em vantagem com relação aos investidores internacionais, que se desinteressaram, frustrando a expectativa de ingresso de dólares. Mas, do ponto de vista da Petrobrás, o leilão foi um sucesso. A empresa ofereceu o lance mínimo ganhando as áreas que interessavam, elevando a cotação de suas ações. Parabéns ao presidente da Petrobrás, cuja obrigação é proteger o lucro dos acionistas, e um puxão de orelha no mercado financeiro que não deu a devida atenção ao desestímulo desse tipo de leilão pelos estrangeiros.

Há pressões relevantes sobre o real, que não vêm apenas da decisão da Petrobrás de pagar sua dívida externa, e de empresas privadas trocando dívida externa por debêntures emitidas no Brasil. Nos últimos 12 meses, foram remetidos ao exterior em torno de US$ 20 bilhões de investimentos de não residentes em renda fixa e em ações. Ao mesmo tempo, o Banco Central vendeu em torno de US$ 20 bilhões no mercado spot. Será que se o Banco Central não tivesse vendido dólares a depreciação seria maior? A resposta é não! Ao lado das vendas no mercado spot o Banco Central realizou operações de swaps reversos de igual valor.

Ou seja, vendeu no mercado à vista o que comprou no mercado futuro, com um efeito neutro sobre a taxa cambial.

Para desatar um nó é preciso encontrar o fio da meada. Um câmbio mais volátil é um risco para os investidores não residentes. Quando compram uma ação, eles apostam simultaneamente nos resultados da empresa e no câmbio, e quando compram um título público correm o risco de a depreciação cambial de uma semana eliminar os retornos de um ano. Países dependentes de commodities têm maior volatilidade cambial. É o caso da Austrália, tanto quanto do Brasil. No Brasil, a essa força soma-se a incerteza sobre o prosseguimento da agenda de reformas. Notícias vindas da política que indiquem riscos de postergação na aprovação de reformas geram volatilidade. Quando os juros no Brasil eram altos relativamente aos EUA, esse diferencial se sobrepunha ao risco de câmbio medido pela volatilidade do real, e os ingressos em renda fixa eram altos. Igualmente, em ciclos de elevado crescimento econômico havia a expectativa de forte valorização das ações, compensando o risco de câmbio enfrentado por não residentes comprando ações na B3.

A situação era ainda melhor quando a elevação dos preços de commodities levava à valorização do real, eliminando o risco de câmbio. Quando crescemos em 2006/2007, tivemos um ingresso líquido em carteira superior a US$ 40 bilhões, metade em ações e metade em renda fixa. A expectativa de continuidade do crescimento aumentava os lucros esperados, valorizando as ações, e os juros altos atraíam investimentos em renda fixa. Naqueles anos, a imagem de Lula era de um gênio social-democrata que dava continuidade à transformação institucional iniciada por FHC, e essa imagem melhorou ainda mais quando em 2010 o Brasil saiu rapidamente da crise internacional, e em parte pelo aumento das commodities em 7,5%, com ingressos em carteira de mais de US$ 70 bilhões. O mundo ainda confiava na magia do operário transformado em presidente.

Daí em diante, contudo, a verdade começou a se impor, e isso não ocorreu apenas devido às evidências de corrupção generalizada do governo Lula, cujos males causados ao Brasil estão vivos na memória de todos. Foi Lula que deu os primeiros passos, transformando os superávits primários em déficits, e transferiu para o BNDES, por fora do Orçamento, recursos de quase 10% do PIB, que ajudaram no crescimento recorde de 2010. Era o fim da responsabilidade fiscal, direção na qual sua sucessora se atirou sem reservas. Perdemos o grau de investimento, revelando que tínhamos problemas estruturais sem uma solução fácil, e descobrimos que nosso crescimento era totalmente incerto.

Do ponto de vista dos investidores não residentes, o Brasil tem fragilidades muito superiores às do passado. Dentre elas está a incerteza da capacidade de o atual governo aprovar as reformas necessárias para o País se afastar do passado populista que tanto nos tem custado.

Fonte: O Estado de S.Paulo, 24/11/2019

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Affonso Pastore