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Estratégias de saída

Tendência das autoridades, governos ou parlamentos, será de postergar a remoção das políticas de estímulo

A gestão da crise de 2020 é única porque combina aspectos de saúde pública com implicações econômicas. O combate à pandemia levou a decisões governamentais inéditas, como a adoção de regras de distanciamento social, programas ambiciosos de transferência de renda em apoio a famílias e empresas, e intervenção agressiva de bancos centrais em vários mercados. Medidas de gestão de crise são, por definição, temporárias – visto que o fator causal, a crise, não pode ser visto como algo permanente. Mas isso não quer dizer que seja fácil encontrar as estratégias de saída para as políticas adotadas durante a pandemia.

A primeira dificuldade diz respeito à saída do próprio regime de distanciamento social e a intensidade com a qual ele foi atribuído à realidade. A experiência internacional é muito heterogênea, mas a lição parece ser que, para minimizar os riscos de saúde pública, a velocidade da normalização deve estar associada à intensidade da implementação inicial da medida preventiva. Em outras palavras, um período de distanciamento social menos intenso deve ser seguido por um de normalização mais gradual. Já a normalização, ainda que parcial, pode prosseguir com mais rapidez em regiões onde o isolamento inicial foi mais intenso, ocasionando um achatamento da curva de infecção da doença, e onde o governo local foi mais efetivo em rastrear e isolar novos surtos, como ocorreu na Alemanha.

Tendência das autoridades, governos ou parlamentos, será de postergar a remoção das políticas de estímulo

Capacidade de testagem e rastreamento também têm sido determinantes para calibrar as estratégias de saída e o grau de segurança. O que está ficando claro, contudo, é que a normalização plena da circulação (em novos padrões, dado o aprendizado sobre a real necessidade de deslocamento ocasionado pela pandemia) só ocorrerá depois de uma ampla campanha de vacinação.

Se a saída das medidas de distanciamento social é um processo desafiador, a revisão dos programas de apoio fiscal tampouco será trivial. A política fiscal tem sido intensamente utilizada para compensar os efeitos deletérios da pandemia para a economia. Nos EUA, até o momento as medidas fiscais alcançam 8,3% do PIB, e há um outro pacote de estímulos em discussão no Congresso, na ordem de 5% do PIB, mas que pode aumentar. Nas grandes economias da área do euro, os programas fiscais (seja de manutenção de renda ou subsídios ao emprego) variaram de 3,2% do PIB na Espanha a 4,5% na França e Itália (4,2% na Alemanha). Esses totais, tanto para a Europa quanto EUA, excluem programas de garantias de crédito, que tiveram magnitude muito maior e constituem passivos contingentes para o setor público. Além de programas ativos de socorro a empresas e famílias, necessários para mitigar o impacto econômico e social da pandemia, os chamados estabilizadores automáticos, na forma de redução de receita e aumento de gastos como o seguro desemprego, também foram acionados. Tamanha onda de expansão fiscal, em contexto de recessão e profunda queda do PIB, terá uma consequência inevitável: um forte aumento do endividamento do setor público.

Segundo projeções do FMI, a razão entre a dívida pública e o PIB sairá de 109% ao final de 2019, nos EUA, para 131% no fim do corrente ano. No caso da Alemanha, o movimento será de 60% para 69%, e de 135% para 156% no complicado caso da Itália. Esse aumento do endividamento, em circunstâncias normais, tenderia a gerar elevação das taxas de juros pagas pelos governos. Mas isso não vem ocorrendo, taxas de 10 anos, tanto nominais quanto reais, têm caído, e estão em território negativo na maioria das economias maduras (entre 1,5% e 2% nos EUA, França e Alemanha).

O comportamento das taxas de juros reflete o impacto da pandemia sobre a atividade econômica e as perspectivas para a inflação, mas, em horizontes mais longos, deveria também incorporar os efeitos do forte aumento da emissão de títulos públicos. Não há, contudo, nenhuma anomalia aqui. O que está acontecendo é que, em diversas regiões, os bancos centrais estão comprando os títulos públicos em volumes muito expressivos, impedindo, assim, que o aumento de oferta se traduza em pressão baixista (altista) sobre os preços (taxas de juros) desses instrumentos. Considerando os EUA, a expectativa é que o Fed financie o equivalente à metade do aumento esperado do endividamento público. Essa razão chega a 71% na França, 94% na Espanha e 95% na Itália.

Isso significa que, na ausência de forte intervenção das autoridades monetárias nos mercados de dívida pública, provavelmente estaríamos observando elevações de taxas de juros mais longas. Como a superação das consequências econômicas da pandemia vai demandar tempo, a tendência das autoridades com influência sobre a política fiscal, sejam governos ou parlamentos, será postergar a remoção das políticas de estímulo. Com isso, a trajetória das dívidas públicas não deve ter redução tempestiva, o que implica restrição da margem de manobra detida pelas autoridades monetárias. A estratégia de saída dos bancos centrais vai, obrigatoriamente, ter que ser gradual, a fim de evitar choques de juros que poriam em risco qualquer retomada econômica. A necessidade de evitar tais movimentos de juros, em um contexto no qual a inflação pode, em algum momento do futuro, deixar de ser benigna, apresenta desafio adicional para os bancos centrais. Nesse cenário, a política monetária passará a operar não necessariamente sob o caso extremo da dominância, mas sob uma forma de constrangimento fiscal. Não haverá estratégia de saída fácil.

Fonte: Valor Econômico

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita