Folha (publicado em 02/01/2022)
Edmar Bacha é um dos principais economistas brasileiros, dos primeiros com doutorado nos EUA, professor, pesquisador com larga publicação no Brasil e no exterior, além de formulador de política econômica, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou recentemente “No País dos Contrastes – Memórias da Infância até o Plano Real”, pela História Real, selo da editora Intrínseca.
Não se trata de memória detalhada de uma vida. O livro é curto e apresenta os momentos que, aos olhos do Bacha de hoje, aos 79 anos, são os mais marcantes.
Li com grande prazer. Dei muita risada. Há de tudo, mas principalmente a exposição de momentos importantes de nossa história por quem estava lá fazendo.
Três são os trechos para mim mais marcantes. Primeiro, as cartas que escreveu para sua mãe, Maria de Jesus Lisboa Bacha, quando estava cursando o mestrado e doutorado em Yale. Segundo, a sua passagem
como presidente do IBGE no governo Sarney e os aprendizados com o Plano Cruzado.
E, em terceiro, a descrição de sua evolução intelectual. Há ainda a sua participação no Plano Real e um capítulo final com a apresentação resumida de sua contribuição científica.
Nas cartas de Yale, o jovem Bacha aparece como ótimo observador. Nota, no início dos anos 1960, que o racismo lá não é tão diferente do de cá.
Não entra na esparrela, tão comum à época, de que as relações familiares por lá são mais frias. E, discordando do mestre Furtado, que passou um período em Yale, já enxergava em 1965 a recuperação
cíclica da economia brasileira.
Em maio de 1985, assume a presidência do IBGE e participa do Plano Cruzado. De sua passagem pelo IBGE ficou marcada a enorme pressão política para o preenchimento de cargos, principalmente os delegados do IBGE nos estados.
Para atender as demandas, se necessário, criou a regra de que somente seriam indicados técnicos de carreira. A impressão com que ficamos é que, aos trancos e barrancos, dos anos 1980 até hoje aumentou a profissionalização do Estado.
Quanto ao Plano Cruzado, aparece o melhor lado de Bacha. A arte da passagem do tempo. De estar atento e aberto. Bacha aprende com a vida. Não é comum. Sem aprendizados, não teríamos construído o Plano Real.
Houve muito aprendizado de Bacha. Primeiro, “não se pode misturar plano de estabilização com distribuição de renda”. A própria estabilização, com o fim do imposto inflacionário, é o ganho de renda
do trabalhador. Em segundo, que, apesar de a inércia ser o maior problema em estabilização de inflação de muitos dígitos, não se pode descuidar da política macroeconômica, fiscal e monetária. “Passei a ter
uma consciência clara dos limites da intervenção do governo na economia”, escreveu.
A passagem no governo também fez Bacha rever o desenvolvimentismo. “Constatei que dele derivavam os males do estatismo, do protecionismo e do inflacionismo. Vi na prática tratar-se não de desenvolvimento econômico, mas de defesa de interesses corporativos.”
Apresenta seu distanciamento teórico de um programa de pesquisa exclusivamente latino-americano. Lembra a dificuldade para a academia, principalmente na América Latina em tempos de inúmeras ditaduras militares de direita, da absorção da contribuição de Milton Friedman.
A macroeconomia moderna, aquela dos anos 1990 em diante, com seus mercados imperfeitos, moeda endógena, preços viscosos etc., “deu guarida a temas relevantes para meu modo de pensar a macroeconomia”.
Leitura deliciosa para um verão e imprescindível para qualquer estudante de economia. No período de formação, é uma experiência única acompanhar a vida profissional de um dos líderes da profissão.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/01/edmar-bacha-a-passagem-do-tempo.shtml?origin=folha
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